Teresa Santos (colaborou Dra. Ilana Polistchuck)

Notificação

15 de janeiro de 2021

A endocrinologia vem passando por várias transformações nos últimos anos. Se antes a prática era baseada principalmente no tratamento de doenças relacionadas com glândulas, hoje é marcada por uma abordagem mais ampla, que inclui questões como imunometabolismo, metabolismo do câncer e novas moléculas secretadas por órgãos que classicamente não eram considerados endócrinos, tal como músculo, intestino, fígado, tecido adiposo e coração.

A era da inteligência artificial trouxe ainda a incorporação de tecnologias digitais que vêm impactando o acesso à informação e expandindo a telemedicina.

Durante uma palestra realizada on-line como parte do 34º Congresso Brasileiro de Endocrinologia e Metabologia (CBEM), evento promovido pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) no final de 2020, especialistas brasileiros e de outros países discutiram essas e outras mudanças no campo. A sessão foi moderada pelos médicos Dr. Paulo Augusto Miranda, vice-presidente da SBEM, e Dr. Juliano Zakir, Hospital Universitário de Brasília da Universidade de Brasília (HUB-UnB).

 A ‘velha’ e a ‘nova’ endocrinologia

Antigamente, a endocrinologia era focada principalmente em doenças relacionadas com as glândulas, com destaque para as patologias associadas ao excesso e à deficiência de hormônios. Já a pesquisa investigava frequentemente os mecanismos de sinalização clássica, abordando o modelo ligante-receptor. Hoje, a especialidade caminha para uma ampliação e, segundo o Dr. Dale Abel, endocrinologista da University of Iowa Health Care, nos Estados Unidos, esse novo momento inclui a incorporação da biologia integrativa e da interdisciplinaridade.

Os avanços nos campos da genética, genômica, epigenética e metabolômica passaram a definir novos alvos e novas vias de regulação endócrina. "Todo esse conhecimento nos dá a possibilidade de aumentar a personalização dos tratamentos e diretrizes. Além disso, há também outras áreas que se inserem na ‘nova’ endocrinologia, por exemplo, doenças emergentes, complicações endócrinas de novas terapias oncológicas, convergência entre metabolismo e doença cardiovascular, e o surgimento de distúrbios cardiometabólicos, bem como o gerenciamento interdisciplinar da obesidade”, destacou o médico durante sua apresentação no evento.

Segundo o Dr. Dale, órgãos que até então não eram considerados endócrinos passaram a ser enquadrados nessa categoria. É o caso, por exemplo, do intestino, da pele, do tecido adiposo, do fígado, do coração e da musculatura esquelética.

Outro elemento importante são os exossomas. Essas vesículas secretadas para o meio extracelular por vários tipos de células passaram a ser conhecidas também como mediadores da sinalização endócrina. “Os exossomas podem ser gerados dentro de uma célula e, ao serem secretados na circulação do corpo, liberam sua carga em outra célula, tendo efeitos profundos, inclusive sobre a reprodução, o desenvolvimento, a cicatrização de feriadas, a angiogênese, entre outros. Hoje sabe-se que eles têm importante efeito metabólico”, explicou o Dr. Abel.

O palestrante destacou ainda outro conceito importante nesse novo cenário: o estresse mitocondrial como mediador da liberação hormonal a partir da musculatura esquelética e do tecido adiposo marrom. [1,2]

O futuro da endocrinologia, de acordo com o médico, deverá ser marcado pela descoberta de cada vez mais hormônios, bem como de mecanismos que se iniciam em um tecido, mas que apresentam efeitos em outros sítios.  

Telemedicina: Como o endocrinologista deve se preparar?

Embora a telemedicina não seja algo propriamente novo, essa prática aumentou exponencialmente durante a pandemia de covid-19. Segundo o Dr. Marcio Krakauer, endocrinologista, coordenador do Departamento de Tecnologia, Saúde Digital e Telemedicina em Diabetes da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), presidente da Associação de Diabetes do ABC (ADIABC), pesquisador do Grupo Leforte e patrono da Liga Acadêmica de Telemedicina (LATEL) da Faculdade de Medicina do ABC (FMABC), a endocrinologia é uma especialidade muito afeita à telemedicina.

“Em primeiro lugar, conhecemos os pacientes e isso facilita muito. Na maioria das vezes, eles não precisam de quatro consultas presenciais por ano. Em média, vão duas vezes por ano ao consultório. Além disso, usamos muitos dados que podem ser compartilhados, por exemplo, exames laboratoriais e de imagem, e parte do exame físico também, podem ser feitos por teleconsulta, tal como a inspeção, exame de eventuais lesões de pele, distribuição de gordura, entre outros. Podemos ainda detectar quais indivíduos necessitam comparecer presencialmente”, destacou o Dr. Marcio durante apresentação.

Já existem ferramentas que podem auxiliar as teleconsultas de endocrinologia. No campo do diabetes, por exemplo, há aplicativos para detectar glicemia sem a necessidade da picada no dedo, assim como bombas de insulina e sensores conectados em nuvem. “Isso permite, por exemplo, que uma mãe monitore a glicemia do filho à distância. Há muitas possibilidades na área da transmissão de informação, e sabemos que monitorar mais traz resultados positivos", destacou, lembrando que quanto maior o número de vezes que se examina a glicose, menor é o risco de hipoglicemia. “Sabemos também que quanto maior o tempo dentro da meta, maior é a chance de não ter complicações crônicas, tais como retinopatia e nefropatia”, [3] alertou o médico.

Além da glicemia, outras variáveis também podem ser analisadas à distância, tal como pressão, peso e eletrocardiograma (ECG). É possível ainda acionar serviços de pronto atendimento em situações emergenciais. Outras áreas da endocrinologia como tireoide, hipófise, osteoporose e obesidade também já estão adotando a telemedicina.

De acordo com o médico, já existem várias publicações abordando o uso da telemedicina na endocrinologia. Há trabalhos, por exemplo, sobre o uso de retinografia à distância, [4] estratégias para reduzir o medo de hipoglicemia em pacientes [5] e telemonitoramento do diabetes mellitus. [6]

Outra forma de telemedicina é a teleconsultoria, onde um médico ajuda o outro. “Colegas clínicos, pediatras, entre outros, que estão em lugares remotos podem receber consultoria médica de um especialista para determinado paciente, e isso pode ajudá-lo a tratar melhor o paciente”, explicou o Dr. Marcio.

Para o palestrante, a telemedicina tem várias vantagens, entre elas, melhor acesso, custo-efetividade, conveniência, redução de absenteísmo e demanda millennial. “A demanda millennial diz respeito à disponibilidade de usarmos os meios tecnológicos para uma consulta ou congresso”, explicou.

Segundo o especialista, as clínicas estão ficando cada vez mais virtuais. “Os médicos devem estar sempre bem preparados, aprendendo a lidar com isso, não tendo medo, porque não se trata de uma ameaça que vem para nos substituir, mas sim de uma ferramenta que vem para nos ajudar. O paciente tem que se familiarizar e confiar, e eles estão fazendo isso cada vez mais. Os principais desafios continuam sendo a segurança da informação e a cobrança do Sistema Único de Saúde (SUS) e dos planos de saúde”, destacou, lembrando que “a telemedicina é uma realidade e que não há volta, apenas futuro, e que o sistema híbrido vai continuar existindo”.

 Plataformas on-line para manter o engajamento: desafio

Embora o acesso aos serviços de especialidade médica por meio de plataformas on-line tenha aumentado durante a pandemia de covid-19, a Dra. Alline Beleigoli, especialista em clínica médica e pesquisadora da Flinders University, na Austrália, lembrou que ainda há pouca evidência acerca da efetividade dessas ferramentas. “Sabemos que existem milhares de plataformas, porém pouquíssimas foram testadas em estudos adequados para avaliar eficácia ou efetividade”, alertou durante sua apresentação na sessão científica.

Em uma metanálise publicada em 2019 [7] que avaliou plataformas de obesidade, a Dra. Alline e seus colegas não identificaram superioridade desse recurso em relação a intervenções presenciais. No entanto, a pesquisa revelou que houve grande abandono de tratamento, tanto no grupo que usou as plataformas como no grupo de controle. "Houve ainda grande heterogeneidade entre os estudos, de forma que não foi possível determinar quais técnicas comportamentais foram associadas a sucesso", explicou.

A literatura tem mostrado, segundo a médica, que as plataformas on-line para perda ponderal têm mais eficácia quando utilizam personalização, ou seja, quando não disponibilizam um mesmo pacote para todos os assinantes, e também quando aplicam teorias e técnicas de mudança de comportamento e combinam suporte tecnológico e humano. [8] De fato, a Dra. Alline e sua equipe encontraram resultados positivos quando avaliaram a eficácia de uma plataforma para perda ponderal focada em mudança de comportamento com feedback personalizado.

O estudo mostrou que os participantes que usaram a plataforma on-line – adaptada pelos pesquisadores da Flinders University em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) – apresentaram perda ponderal superior à dos que receberam intervenção não personalizada através de livretos e vídeos. Os indivíduos que fizeram uso da plataforma com treinamento apresentaram maior engajamento. [9] “Sabemos, portanto, que essas plataformas podem ser eficazes para complementar a assistência, porém, o engajamento em longo prazo continua sendo um desafio”, ressaltou.

A médica lembrou ainda que outros elementos também podem representar barreiras nesse contexto, tal como a integração das plataformas aos serviços de saúde. Outros desafios são o compartilhamento de dados entre diferentes tecnologias, a infraestrutura, por exemplo, a disponibilidade de internet com velocidade adequada e o domínio do uso da tecnologia tanto por parte do usuário quanto por parte do profissional de saúde.

Informação em saúde: tecnologias digitais

Para a Dra. Maria Cristiane Barbosa Galvão, Ph.D., biblioteconomista e professora doutora do Departamento de Medicina Social da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), a competência informacional é uma limitação importante no Brasil. A “competência informacional envolve saber reconhecer a necessidade de informação, saber reconhecer os recursos informacionais adequados, usar estratégias de busca corretas, avaliar a qualidade das informações, poder organizar a informação encontrada e, a partir disso, criar novos conhecimentos a serem aplicados no dia a dia, no cotidiano. A competência informacional é algo muito complexo e falta muito na população brasileira. Ela precisa ser ensinada desde os primórdios da educação, desde a infância”, destacou durante apresentação no evento.

A especialista defendeu, no entanto, que o emprego de uma linguagem simples e o uso de tecnologias apropriadas permitem disseminar informação em saúde confiável para as pessoas. A Dra. Maria Cristiane apresentou como exemplo o projeto "Fale com o Dr. Risadinha", desenvolvido pela equipe da FMRP-USP.

A ferramenta busca aumentar o conhecimento em saúde de pacientes, familiares e da população em geral. "A população pode nos enviar uma pergunta e nós respondemos com base nas melhores evidências científicas disponíveis. Além de divulgar as respostas às pessoas que perguntaram de forma privada, também divulgamos nos mais variados meios de comunicação: blog, Facebook, Twitter, Instagram, WhatsApp”, explicou. A equipe também monitora possíveis dúvidas nas redes sociais, por exemplo, em grupos de mães e grupos de pacientes e dados epidemiológicos, observando doenças e agravos mais recorrentes em determinado momento para a produção de informações sobre o assunto. O projeto, que foi iniciado em 2016, já havia atendido mais de 337.000 pessoas em dezembro de 2020.

Siga o Medscape em português no Facebook, no Twitter e no YouTube

processing....