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A eficácia global da CoronaVac, vacina contra o novo coronavírus desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac e testada pelo Instituto Butantan, é de 50,38%. O cálculo foi feito com base na análise dos dados de 9.242 voluntários divididos em dois grupos. Uma parte tomou a vacina (4.653) e outro, placebo (4.599). Houve 252 diagnósticos confirmados de covid-19. Foram 85 casos no grupo que tomou a vacina e 167 entre os que tomaram placebo. Dor no local da injeção foi o principal efeito colateral reportado, e apenas 0,3% dos participantes tiveram algum tipo de reação alérgica, segundo os pesquisadores. A eficácia anunciada está acima do patamar de 50% estabelecido para aprovação de um imunizante pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e adotado também pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
A apresentação dos dados completos dos testes com a CoronaVac foi feita na tarde da terça-feira (12), em entrevista coletiva na sede do Insituto Butantan, em São Paulo, após forte pressão da comunidade científica e da imprensa. Na última quinta-feira (7), o governo de São Paulo e o Instituto Butantan divulgaram dados parciais depois de sucessivos adiamentos. Representantes do estudo se reuniram no mesmo dia com a Anvisa e, no dia 8, foi pedida oficialmente a autorização para uso emergencial do imunizante. De acordo com o jornal Folha de S. Paulo, a informação sobre eficácia geral já constava nos dados enviados para avaliação da agência reguladora.
A justificativa dada pelo diretor do Instituto Butantan, Dr. Dimas Covas, para a divulgação parcial dos dados, foi de que não seria elegante apresentar os dados completos publicamente antes de mostrá-los à agência reguladora. Ele também mencionou questões contratuais com a parceira chinesa Sinovac. De fato, muita coisa acontece nos bastidores de um estudo internacional realizado em meio à maior e mais grave crise sanitária global do século.
Parte da apresentação foi dedicada a esclarecer dados divulgados na semana anterior, que apontavam 78% de eficácia da vacina em casos leves e 100% nos casos moderados e graves. O próprio perfil do instituto no Instagram trazia a seguinte mensagem: “Casos graves redução de 100%, casos moderados redução de 100%, internação hospitalar redução de 100%, atendimento ambulatorial redução de 78%, casos leves redução de 78%”. Esse “formato” deu margem a muita confusão.
“O dado maior mostra o resultado obtido em um recorte específico do estudo”, disse o Dr. Ricardo Palácios, diretor-médico de pesquisa clínica do Butantan, para explicar a diferença entre a eficácia geral de 50,38% apresentada na terça (12) e os 78% anunciados no dia 7. Nesse contexto, fica mais fácil compreender o significado dos números que circularam durante a semana.
“Das pessoas que foram vacinadas, 22% desenvolveram sintomas leves. Assim se pode entender que houve uma redução de 78% na quantidade de casos leves e que necessitavam de atendimento ambulatorial. Nenhuma das pessoas vacinadas e infectadas precisou ser internada, o que representa uma redução de 100% nas internações que poderiam ter ocorrido”, disse ao Medscape o Dr. Marcelo Gomes, PhD., pesquisador em saúde pública da Fiocruz e coordenador do sistema Infogripe, serviço de monitoramento que analisa constantemente grandes volumes de dados. Trocando em números, a cada 100 pessoas vacinadas, cinquenta pegaram covid-19 e, dessas, apenas 22% tiveram sintomas leves e precisaram de algum atendimento ambulatorial.
“Mas isso não quer dizer que protegeu 100% de casos moderados e graves porque ainda não há dados com significância estatística que permitam tal afirmação”, disse o pesquisador.
Responsável pelo desenho do estudo, o Dr. Ricardo Palácios falou sobre esse aspecto na coletiva. Ele disse que é ainda preciso confirmar a tendência de 100% de proteção contra casos graves. Como esse número no grupo controle é muito baixo (sete casos graves em que os indivíduos foram hospitalizados), o dado não tem relevância estatística. Por isso, será necessário aguardar o surgimento de novos casos.
“O tempo estimado no protocolo desse estudo para casos graves é de um ano, justamente para ter tempo de ocorrer um número grande ou suficiente de eventos de casos graves nos dois braços da pesquisa, e assim estimar a eficácia”, explica o Dr. Marcelo Gomes. Segundo especialistas ouvidos pelo Medscape, com os indícios que se tem em mãos, provavelmente a redução de internações nos casos graves será elevada.
Resultados bem recebidos
Mesmo que a CoronaVac proteja menos do que outros imunizantes, como os que utilizam a tecnologia de RNA mensageiro, com eficácia geral acima de 90%, os resultados foram comemorados pela comunidade científica e médica. A expectativa é que a vacina tenha plenas condições de ser usada para controlar a situação de pandemia.
“Mesmo com todas as medidas tomadas com a liderança do governador Doria, de criar leitos, ampliar a oferta de respiradores e equipes médicas, nem dessa maneira conseguimos fazer o controle da pandemia como imaginávamos. A única forma que temos é com vacina. Só ela irá mudar a trajetória da epidemia no país”, disse secretário estadual de Saúde, Dr. Jean Gorinchteyn, durante a coletiva.
Sobre a eficácia de 50,38%, o diretor do Butantan, Dr. Dimas Covas, disse que a CoronaVac foi “muito desafiada” no Brasil ao ser testada em profissionais da saúde.
“Nesse grupo, de altíssima exposição, a incidência de infecção foi superior a 20%, a mais alta entre todas as populações em risco. Esse é o teste mais duro que uma vacina poderia enfrentar.”
Segundo o Dr. Ricardo Palácios, a definição abrangente de casos de covid-19 adotada pelo estudo também pode ter influenciado os resultados.
“Baixamos bastante a barra para capturar até o caso mais leve possível. Isso faz diferença e prejudica a comparabilidade deste estudo com outros. Sabia que isso era negociação. Estávamos sacrificando eficácia para ter maior número de casos e resultados mais rápidos”, disse o pesquisador, fazendo questão de acrescentar que “ninguém vai virar outra coisa ao tomar a vacina, a não ser um ser humano protegido”. E frisou: “Volto a repetir: temos uma vacina.”
Ainda há muitos aspectos a serem investigados sobre a CoronaVac. Serão feitos estudos com cerca de 1.400 idosos com comorbidades, gestantes em terceiro trimestre, crianças e adolescentes entre três e 17 anos e para avaliar a efetividade do imunizante no controle da pandemia.
“Há mais lacunas a serem pesquisadas. Ainda não sabemos como será a proteção em longo prazo ou o impacto na transmissão, mas vou destacar que nenhuma vacina tem dados robustos que permitam antecipar impacto e transmissão”, disse durante a coletiva o médico convidado Dr. Marco Aurélio Sáfadi, do Departamento de Infectologia da Sociedade Brasileira de Pediatria e professor-adjunto da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Os pesquisadores também se debruçam sobre o intervalo de tempo entre as doses.
“Os estudos mostram bons resultados com a CoronaVac com até quatro semanas de intervalo. O que não pode é dar uma dose só”, disse o Dr. Dimas Covas.
Presente na coletiva, o infectologista Dr. Renato Kfouri, da Sociedade Brasileira de Imunizações e conselheiro do Programa Nacional de Imunização (PNI), destacou a necessidade de levar as vacinas à população.
“Temos outro desafio, que é convencer as pessoas a se vacinarem. Essa confiança determinará o sucesso de uma vacina que começa aqui. E são as instituições públicas que vão carregar esse processo de vacinação. Mais uma vez, é o SUS cumprindo seu papel”, disse o médico. Depois da apresentação dos dados, representantes do PNI se reuniram com o Ministério da Saúde para discutir questões como a conciliação das duas doses das vacinas contra a covid-19 com a próxima dose da vacina de gripe.
“Falamos também de aspectos como os intervalos recomendados entre essas vacinas”, disse o Dr. Renato ao Medscape. Ele considera a CoronaVac um ganho espetacular da ciência.
“No cenário de desenvolvimento de um ano, temos um produto excelente e com condições de sustentabilidade no programa de vacinação brasileiro. Acho que temos uma grande oportunidade e ferramenta para controlar a doença no país”, disse.
Mais especialistas convidados falaram sobre a vacina na coletiva da terça (12). Referência no campo da divulgação científica, a microbiologista Dra. Natália Pasternak, PhD., do Instituto Questão de Ciência, disse que essa pode não ser a vacina dos sonhos, mas é a que está mais próxima da nossa realidade.
“Uma vacina com 50% de eficácia é aceitável. Pode não ser a melhor do mundo, mas quem foi que disse que ia resolver a vida e seria perfeita, com 95% de eficácia, fácil de distribuir, barata e em dose única? Essa vacina não existe. A CoronaVac existe, reduz o risco de ficar doente em 50%, e tem potencial muito bom de reduzir o risco de doença grave, que começa a contar a partir do momento em que você precisa de um médico”, disse a Dra. Natália.
“Eu quero essa vacina e quero que os meus pais tomem. Ela é possível e adequada para o Brasil, compatível com produção local, armazenamento e cadeia de frio. Uma vacina só é tão boa quanto a sua capacidade de ter cobertura vacinal no país”, ressaltou a pesquisadora, acrescentando que é necessário iniciar uma grande campanha publicitária no país para convencer as pessoas a tomar o imunizante, mostrando que é seguro e eficaz, para alcançar a cobertura vacinal necessária. Caso contrário, o efeito esperado de imunidade coletiva não será alcançado.
Assista: "CoronaVac: Não adianta comparar com as outras"
A infectologista Dra. Rosana Richtmann, presidente do Comitê de Imunização da Sociedade Brasileira de Imunizações e consultora do Ministério da Saúde, saudou a divulgação dos dados completos e alertou que não será possível baixar a guarda mesmo depois de tomar a vacina.
“No primeiro momento, ainda não ficaremos livres, não podemos relaxar. Nenhuma vacina mostrou impacto na transmissibilidade ainda, mas a ciência nos trará essas respostas. Eu acredito nas vacinas, mas ter vacina sem vacinação não tem sentido. A melhor vacina é aquela que estiver disponível para a população brasileira.”
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Citar este artigo: Eficácia da CoronaVac é de 50,38%, mostra estudo - Medscape - 13 de janeiro de 2021.