Oferecer cuidados paliativos em condições normais para pacientes com câncer atendidos ambulatorialmente é associado a muitos desafios. A telemedicina pode eliminar alguns desses desafios, mas traz consigo outras questões, de acordo com os resultados do estudo REACH PC.
A Dra. Jennifer S. Temel, médica do Massachusetts General Hospital, nos Estados Unidos, discutiu o uso da telemedicina nos cuidados paliativos, incluindo os resultados do REACH PC, durante uma sessão educativa do ASCO Virtual Quality Care Symposium de 2020.
A Dra. Jennifer observou que, para pacientes com câncer, comparecer a uma consulta presencial com um especialista em cuidados paliativos pode custar tempo, causar fadiga e aumentar o impacto financeiro devido a despesas com transporte e estacionamento.
Para os cuidadores e familiares desses pacientes, uma consulta presencial pode representar a necessidade de se ausentar do trabalho e/ou do restante da família, requer um agendamento complexo coordenado com outras consultas e resulta em despesas adicionais com transporte e/ou estacionamento,
Para os sistemas de saúde, ter um ambulatório dedicado aos pacientes recebendo cuidados paliativos requer um espaço precioso e despesas com a equipe do serviço e outros recursos.
Essas questões tornam atrativo considerar se a telemedicina poderia ser usada para oferecer cuidados paliativos.
Escassez de especialistas em cuidados paliativos
Nos Estados Unidos, existe aproximadamente um médico de cuidados paliativos para cada 20.000 idosos com uma doença limitante à vida, de acordo com uma pesquisa publicada no Annual Review of Public Health em 2014.
Em seu relatório de 2019, o Center to Advance Palliative Care observou que apenas 72% dos hospitais dos EUA com no mínimo 50 leitos dispõem de uma equipe de cuidados paliativos.
Para pacientes com doenças graves que estão em desvantagem socioeconômica ou geográfica, os cuidados paliativos são geralmente inacessíveis.
Ineficiências no sistema atual são outro impeditivo. Especialistas em cuidados paliativos frequentemente avaliam os pacientes durante uma parte da consulta de rotina com o subespecialista ou o médico de atenção primária. Isso limita a habilidade de o especialista em cuidados paliativos realizar uma abordagem ampla e fornecer um tratamento centrado no paciente.
Considerações especiais sobre a telemedicina para cuidados paliativos
Como especialidade, os cuidados paliativos envolvem interações que poderiam tornar o uso da telemedicina problemático. Por exemplo, demonstrar interesse, calor humano e toque são desafiadores ou impossíveis no formato de vídeo.
Especialistas em cuidados paliativos discutem com pacientes questões relativamente sérias, como prognóstico e preferências para o fim da vida. Não se sabe sobre como essas discussões seriam percebidas pelos pacientes e cuidadores via vídeo.
Além disso, existem impedimentos logísticos, como a prescrição de opioides por vídeo ou linhas estaduais de atendimento.
Apesar dessas preocupações, o estudo ENABLE mostrou que complementar o tratamento oncológico habitual com cuidado paliativo educativo via telefone toda semana (passando para uma vez por mês) aumentou a qualidade de vida e o humor do paciente em comparação com o tratamento oncológico habitual isolado. Esses resultados foram publicados no periódico JAMA em 2009.
Estudo REACH PC demonstra viabilidade do modelo
A Dra. Jennifer descreveu o estudo REACH PC, em andamento, no qual os cuidados paliativos são fornecidos em consultas por vídeo e comparados com o cuidado paliativo presencial para pacientes com câncer de não pequenas células avançado.
O objetivo primário do REACH PC é determinar se o cuidado paliativo por telemedicina é equivalente ao cuidado paliativo tradicional em termos de aumento da qualidade de vida como um complemento ao tratamento oncológico de rotina.
Até o momento, o REACH PC recrutou 581 pacientes em 20 locais, contemplando uma área geograficamente diversa. Apenas pouco mais da metade dos pacientes abordados para participar do REACH PC concordaram em ingressar no estudo. No total, os pesquisadores buscam inscrever 1.250 pacientes.
Dentre os pacientes que recusaram participar da pesquisa, 7,6% disseram que o motivo seria "não se sentirem confortáveis com ferramentas tecnológicas". A maioria dos pacientes recusou entrar no estudo por não ter interesse em pesquisa (35,1%) e/ou cuidados paliativos (22,9%).
A maioria dos inscritos é de idosos; mais de 60% têm mais de 60 anos de idade e mais de um terço tem mais de 70 anos.
Dentre os pacientes que começaram o estudo, a taxa de desistência foi discretamente maior entre os pacientes no grupo telemedicina em comparação com os participantes no grupo consultas presenciais (13,6% versus 9,1%).
Quando os médicos especialistas em cuidados paliativos foram entrevistados sobre as consultas por vídeo, 64,3% disseram que não enfrentaram desafios. Esse resultado é comparável com 65,5% dos médicos que afirmaram que não enfrentaram desafios com as consultas presenciais.
Quando ocorreram problemas nas consultas por vídeo, eles foram mais frequentemente técnicos (19,1%). Apenas 1,4% dos médicos relataram dificuldade em abordar tópicos sensíveis, que eram desconfortáveis por vídeo, e 1,5% referiram dificuldade em criar uma conexão com o paciente.
As taxas de sucesso das consultas por vídeo e presenciais foram semelhantes. Cerca de 80% das consultas atingiram os objetivos pretendidos.
Comportamento "webside"
Estratégias como escuta reflexiva e sumarização do que o paciente disse (para verificar um entendimento acurado da perspectiva do paciente) são a chave para o sucesso nas consultas de cuidados paliativos, independentemente do contexto.
Para as consultas de telemedicina , a Dra. Jennifer descreveu técnicas que definiu como "comportamento webside", para compensar a impossibilidade de o médico tocar um paciente. Essas técnicas incluem se inclinar em direção à câmera, assentir, e fazer pausas para ter certeza de que o paciente terminou de falar antes do médico falar novamente.
A telemedicina é o futuro dos cuidados paliativos?
Eu me incluo no grupo de oncologistas que expressaram preocupação sobre trocar as consultas cara a cara pelas remotas em casos de questões complicadas, como aquelas abordadas nos cuidados paliativos. No entanto, a partir dos resultados preliminares do estudo REACH PC, parece que a telemedicina pode ser uma ferramenta valiosa.
Para minimizar as diferenças entre os cuidados paliativos presenciais e remotos, estratégias práticas para garantir a formação de vínculo e facilitar um relacionamento de confiança deveriam ser definidas e disseminadas.
Além disso, precisamos ficar atentos às amplas inequidades de tratamento que surgem com um rápido movimento para o uso de tecnologia (ou seja, uma lacuna de equidade). Em sua experiência com telemedicina durante a pandemia de covid-19, os pesquisadores do Houston Methodist Cancer Center descobriram que pacientes recusando as consultas virtuais tendiam a ser mais velhos, ter menor renda e tinham menos probabilidade de ter plano de saúde. Esses resultados foram recentemente publicados no periódico JCO Oncology Practice .
Por tais razões, sistemas híbridos de serviços de cuidados paliativos provavelmente sempre serão necessários.
Prosseguindo, devemos considerar o alerta de Alvin Toffler em seu livro O Choque do Futuro. O Sr. Alvin disse: "Os iliteratos do século XXI não serão aqueles que não sabem ler e escrever, mas aqueles que não conseguem aprender, desaprender e reaprender."
O modelo tradicional de cuidados paliativos quase certamente precisará ser reimaginado e reaprendido.
A Dra. Jennifer informou ter recebido fundos de pesquisa institucionais da Pfizer.
O Dr. Alan Lyss foi oncologista clínico e pesquisador por mais de 35 anos antes de sua recente aposentadoria. Seus interesses em clínica e pesquisa focaram no câncer de mama e pulmão, assim como na expansão do acesso a ensaios clínicos para populações desassistidas. Ele vive em St. Louis., nos EUA, e informou não ter conflitos de interesses.
Esse conteúdo foi originalmente publicado no MDedge – Medscape Professional Network.
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Citar este artigo: Telemedicina para cuidados paliativos de pacientes com câncer - Medscape - 7 de dezembro de 2020.
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