Gestantes têm mais risco de depressão e ansiedade durante a pandemia

Roxanne Nelson

Notificação

24 de junho de 2020

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Quando Megan Canon deu à luz seu filho Lucas, em dezembro de 2019, ela pensou que seu primeiro dia das mães seria um momento alegre junto com seu parceiro, sogros e talvez até mesmo alguns amigos. Ela se imaginava sorridente, vendo Lucas passar de colo em colo das pessoas que o amam.

Em vez disso, ela se viu no chão, na porta de casa, no Colorado (Estados Unidos), chorando e à beira de um surto – oscilando entre pavor, culpa, ansiedade, indiferença e medo –, enquanto tentava sair de casa para o dia das mães no quintal de seus sogros, com distanciamento físico e uso de máscaras. Ela contou que só queria ficar escondida embaixo dos cobertores.

Seria suficientemente seguro? Seria este o acordo ideal com os sogros que, compreensivelmente, queriam ver o neto ou ela estaria cometendo um erro perigoso, que poderia resultar no adoecimento de uma ou mais pessoas? Como coordenadora de intervenções biomédicas no Colorado Department of Public Health and Environment, com mestrado em saúde pública, Megan sabia mais que a maioria das pessoas sobre o SARS-CoV-2 (sigla do inglês, Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2). E ela sabia que cuidados rigorosos eram necessários para proteger a todos do vírus, o que só aumentava a sua ansiedade.

Depois de dois meses de pouca ajuda, mínima interação com amigos, grande privação de sono, “crises cotidianas” e um baby blues que nunca passou, Megan conta que o dia das mães acabou sendo memorável por outro motivo.

Esse “foi o sinal de que tinha alguma coisa errada em relação à minha saúde mental”, ela disse ao Medscape. “Minha capacidade de enfrentamento simplesmente desapareceu.”

Se os dados preliminares estiverem corretos, Megan está longe de ser a única.

Mulheres que vivenciaram a gestação durante a pandemia tiveram duas vezes mais chances de se enquadrar nos critérios de transtorno depressivo maior ou transtornos de ansiedade do que aquelas que vivenciaram a gestação antes da covid-19, de acordo com um estudo recém-publicado feito em Quebec, Canadá.

Nesse estudo, 496 mulheres preencheram um questionário sobre saúde mental – desenhado para avaliar o estresse pré-natal e a sintomatologia psiquiátrica – antes da covid-19. Então, depois que a pandemia começou, 1.258 gestantes completaram a pesquisa on-line. A maioria das participantes vivia acima da linha de pobreza, e 95% eram brancas.

Os pesquisadores descobriram que mulheres vivenciando a gestação durante a pandemia (grupo “gestantes da era covid-19”) tiveram mais chances de manifestar graves sintomas de depressão e ansiedade, mais negatividade e menos positividade, e maiores alterações cognitivas e de humor do que aquelas que vivenciaram a gestação antes da pandemia (grupo “gestantes pré-covid-19”), mesmo após o ajuste para idade gestacional, renda, história de doença psiquiátrica e grau de instrução.

Níveis clinicamente significativos de ansiedade e depressão foram mais comuns no grupo gestantes da era covid-19 do que no grupo gestantes pré-covid-19 (10,9% versus 6,0%).

A taxa de pacientes com transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) foi ligeiramente maior entre as gestantes da era covid-19 que entre as gestantes pré-covid-19, mas não de forma significativa, disse o pesquisador do estudo Dr. Nicolas Berthelot, Ph.D., professor-associado de enfermagem na Université du Québec à Trois-Rivière, no Canadá.

E, embora o estudo feito em Quebec tenha avaliado apenas gestantes, e não aquelas que já haviam dado à luz, o Dr. Nicolas indicou dados mostrando que ansiedade, depressão e eventos traumáticos durante a gestação são os maiores preditores de depressão pós-parto.

“Nós, infelizmente, observamos todos os elementos da depressão pós-parto em um número considerável de mulheres vivenciando a gestação durante a pandemia de covid-19”, ele disse ao Medscape.

O estudo do Dr. Nicolas confirma dados provenientes da China e da Turquia, que mostraram que a incerteza, o isolamento social e as alterações na rede de suporte pessoal estão apresentando efeitos deletérios nas gestantes, e potencialmente afetando seus bebês.

“Realizar uma triagem e indagar sobre o estresse materno deveriam ser prioridades de saúde pública”, disse o Dr. Nicolas.

Uma epidemia pouco percebida

Em uma opinião de comitê de 2018 sobre o rastreamento para depressão perinatal – definida como depressão ao longo de e até um ano depois da gestação –, o American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG) recomenda que, pelo menos uma vez durante a gestação, seja realizado um rastreamento psiquiátrico completo da mulher.

Em 2019, a US Preventive Services Task Force recomendou que os médicos encaminhassem as gestantes que se enquadram nos critérios de depressão pós-parto para terapia, destacando que uma a cada sete puérperas apresenta depressão pós-parto.

Apesar dessa diretriz, os médicos ainda deixam de rastrear uma a cada cinco gestantes e uma a cada oito puérperas, de acordo com dados recentes do Centers for Disease Control and Prevention (CDC) dos Estados Unidos.

O estudo canadense é um alerta de que é hora de agir, disse a Dra. Caitlin Jago, médica do Departamento de Obstetrícia, Ginecologia e Cuidados Neonatais na University of Ottawa, no Canadá, que não participou do estudo.

“É sempre uma balança em relação ao tempo de consulta”, ela disse ao Medscape. “Eu gosto da ideia de normalizar isso. Ao comparecer a uma consulta de pré-natal, a pessoa é indagada sobre pressão, movimentos do bebê, sangramentos – todas essas coisas. E então ela também seria perguntada: Como está o seu humor?”

A depressão pós-parto é mais grave que o baby blues, que é definido como um quadro que se resolve em até duas semanas. É um transtorno de humor grave que, se não tratado, pode ser associado a piora da saúde física e mental, aumento de casos de autoagressão por parte da mãe e de conflitos interpessoais.

Como Megan descreveu: “Eu me valia de uma raiva muito forte, e então eu apenas falava para o meu parceiro: ‘Parece que ninguém me entende. Não consigo compreender por que você não está encarando a situação da mesma forma que eu. Por que ninguém está legitimando isso?’”

Isso fez com que ela se sentisse uma péssima pessoa e aumentou a sua ansiedade sobre ser uma boa mãe. O pior foi ela dizer que não reconhecia os próprios pensamentos e atitudes.

Ao olhar para Lucas, às vezes pensava: “Sua mãe não costuma ser assim”. Ela se considera, em geral, “uma pessoa muito para cima”. Então ela acrescentava silenciosamente: “Ela está se esforçando ao máximo, amiguinho.”

Sobrecarga de informações

Existem poucos dados mostrando se os rastreamentos para depressão pós-parto estão sendo feitos durante a covid-19, disse o Dr. Felipe Moretti, que também é médico da University of Ottawa. A maioria da atenção desde o início da pandemia tem sido focada em lidar com medidas de controle da doença.

“Nos últimos três ou quatro meses, eu tenho ficado sobrecarregado com a quantidade de informações, e-mails, artigos”, disse o Dr. Felipe, sem mencionar os eventos on-line, declarações e recomendações das sociedades médicas.

Por isso, ele, a Dra. Caitlin e um colega escreveram um comentário no periódico Obstetrics & Gynecology sobre os efeitos, na saúde mental, do isolamento e da covid-19 durante a gravidez.

“Nós queríamos destacar que ainda existe aquela paciente que vem ao seu consultório e que está muito ansiosa”, disse o Dr. Felipe. “Nós precisamos reconhecer isso e dar suporte à paciente, não apenas para tentar protegê-la contra a possibilidade de infecção, mas também para ajudá-la a entender que a gestação é um momento muito particular na vida da mulher.”

Empatia, compreensão e encaminhamento

O isolamento é essencial para o controle da pandemia, mas por outro lado, contraria as medidas de proteção contra depressão e ansiedade, que consistem em apoio social.

“Pense sobre o nascimento, sobre estar em comunidade e receber o bebê em um mundo em condições ideais”, disse a Dra. Caitlin.

“Existem muitos benefícios na comunidade e em ter apoio”, explicou ela, inclusive a ajuda com o bebê para que a mãe possa ter um descanso ou tirar um cochilo, e não estar sozinha com as dificuldades do início da maternidade. Em contraste, o isolamento e a perda do controle podem ser questões de uma perspectiva de saúde mental, durante e após a gestação.

“É aqui que enfermeiras, médicos e outros profissionais podem intervir. Quando os médicos atendem uma gestante, pessoal ou virtualmente, podem oferecer perspectivas”, disse o Dr. Nicolas ao Medscape.

“O médico deve ter o cuidado de normalizar a reação da mãe, de ser empático”, ele disse. “Refletir que é normal estar ansioso nessas circunstâncias.”

As perguntas mais frequentes sobre covid-19 no site do ACOG sugerem que os médicos conectem as mulheres a recursos de saúde mental em suas comunidades e ofereçam links para organizações de boa reputação, incluindo Ferramentas para saúde mental perinatal do Lifeline4Moms e os Programas de acesso a psiquiatria perinatal e grupos de apoio.

O acesso aos cuidados em saúde mental está longe de ser universal, especialmente para puérperas, disse o Dr. Christopher Zahn, médico e vice-presidente de atividades práticas do ACOG. Mas ele disse esperar que o afrouxamento das restrições da telemedicina para atendimentos psiquiátricos durante a pandemia reduza essa deficiência permanentemente.

A telemedicina tem “um potencial fenomenal” quando se trata de questões de saúde mental, ele explicou. “A possibilidade de a paciente participar de uma sessão de terapia comportamental é significativamente maior se ela puder estar em casa, junto com o seu bebê, e em um ambiente de apoio”.

“Buscar tratamento não é algo ruim”

No dia seguinte após falar com o Medscape, Megan tinha uma consulta marcada com o seu obstetra para conversar sobre a própria saúde mental. Ela recebeu o diagnóstico formal de depressão pós-parto e ansiedade, além de depressão leve, e começou um tratamento farmacológico. Megan também começou a fazer terapia voltada para saúde mental após o parto.

Além disso, ela começou a refazer sua rede de apoio, que havia enfraquecido em função da do estado de emergência provocado pela covid-19. Na realidade, foram suas amigas, que também são mães e tiveram depressão pós-parto antes da “era covid-19”, que a incentivaram a buscar ajuda.

“Elas reconheceram que, ‘sim, você está sob um nível muito elevado de estresse que não é comum, vai além do natural estresse de pessoas que acabaram de ter filhos’”, Megan contou sobre suas amigas. Elas falaram que: “Buscar tratamento não é algo ruim.”

Encontro anual de 2020 do American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG).

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