Maior taxa de mortalidade numa grande amostra de pacientes com covid-19 em ventilação mecânica

Diana Swift

Notificação

21 de junho de 2020

A mortalidade pode chegar a dois terços dos pacientes com covid-19 que precisaram de ventilação mecânica, segundo novos dados do Intensive Care National Audit and Research Center (ICNARC) do Reino Unido.

Alguns médicos se questionam se outras técnicas, como a ECMO (do inglês, extracorporeal membrane oxygenation), poderiam melhorar os desfechos, mas os resultados não são claros.

Os dados do ICNARC, publicados on-line no dia 10 de abril, incluíram dados de 3.883 pacientes com covid-19 confirmado, que foram internados em unidades de terapia intensiva (UTIs) na Inglaterra, País de Gales ou Irlanda do Norte, e com dados disponíveis sobre as primeiras 24 horas na UTI.

Desses, 871 pacientes morreram, 818 pacientes tiveram alta da UTI e 2.194 pacientes ainda estavam em tratamento na UTI.

Entre os pacientes com desfecho conhecido na UTI, 66,3% dos 1.053 pacientes que necessitaram de ventilação mecânica morreram, em comparação com 19,4% dos 444 pacientes que necessitaram de suporte respiratório básico.

É importante ressaltar que a mortalidade entre os pacientes com covid-19 que necessitaram de ventilação mecânica parece ser maior do que a dos pacientes com outros tipos de pneumonia viral. Especificamente, o relatório do ICNARC mostrou uma taxa de mortalidade de 35,1% para os pacientes que foram tratados na UTI por pneumonia viral e que necessitaram de ventilação mecânica entre 2017 e 2019.

As novas descobertas do ICNARC são consistentes com relatos prévios com séries menores de casos. Por exemplo, uma série de casos de um único serviço de saúde com 52 pacientes tratados em Wuhan, China, mostrou que 37 (71%) necessitaram de ventilação mecânica e 32 (61,5%) morreram dentro de 28 dias após a internação na UTI. A mortalidade foi maior entre aqueles que necessitaram de ventilação mecânica do que entre aqueles que não (94% vs 35%).

Uma outra série de casos com 24 pacientes com covid-19 que foram tratados em UTIs na região de Seattle também indicou que 20 (75%) necessitaram de ventilação mecânica. Com um acompanhamento mínimo de 14 dias, quatro dos 20 pacientes receberam alta para casa, quatro permaneceram internados, mas não mais na UTI, nove morreram e três continuaram com ventilação na UTI.

Hora de mudar as estratégias de ventilação?

Resultados como esses fez alguns médicos questionarem se os protocolos padrão de terapia respiratória para a síndrome da angústia respiratória aguda típica (SARA) deveriam ser ajustados para essa nova pneumonia. Como um médico de cuidados intensivos escreveu recentemente no periódico The Spectator, da Grã-Bretanha, devido à possibilidade de lesão pulmonar induzida pela ventilação mecânica, “colocar pacientes com pneumonia por covid-19 em ventiladores pode não levar a nada”.

A ventilação em si, no entanto, pode não ser o problema. Em vez disso, os protocolos de ventilação podem precisar ser ajustados, de acordo com o Dr. Luciano Gattinoni, médico da Medical University of Göttingen, na Alemanha. “Os pacientes com covid-19 que foram ventilados não têm probabilidade maior de morrer se forem tratados de forma adequada”, disse o Dr. Luciano ao Medscape, por e-mail.

Dr. Luciano e colegas argumentaram que alguns pacientes com covid-19 podem precisar de uma pressão expiratória final menor, porque apresentam uma forma atípica de SARA, semelhante à observada no edema pulmonar de grandes altitudes. Eles também enfatizaram que os pacientes com covid-19 precisam ser tratados de acordo com as características fisiopatológicas individuais de sua doença e não com uma abordagem padrão.

Mas nem todo mundo concorda. Alguns dizem que não há evidências sólidas a favor da mudança de protocolos para pacientes com covid-19. “Não temos dados para dizer que esses pacientes precisam ser tratados de maneira diferente. Temos dados que mostraram que os procedimentos padrão funcionam”, disse o Dr. Pavan K. Bhatraju, médico intensivista da University of Washington Medicine, em Seattle, que é o primeiro autor da série de casos de Seattle.

O Dr. Kenneth Lyn-Kew, médico pneumologista da Jewish National Health em Denver, Colorado, disse que a taxa de mortalidade de 50% para pacientes com coronavírus em ventilação na série de Seattle é comparável à dos pacientes com SARA. “Não podemos dizer se o covid-19 está matando pessoas em ventilação a uma taxa mais alta ou se apenas há mais pessoas usando ventiladores por esta causa”, disse ele ao Medscape.

Mas a pneumologista e especialista em cuidados intensivos Dra. Angela Rogers descreveu um quadro um pouco mais sombrio. Habituada a tratar pacientes com SARA severa todo inverno, que tem uma taxa de mortalidade de 30% a 40%, a Dra. Angela disse que os desfechos com o covid-19 parecem ser piores, e os dados do Reino Unido, China e Europa, bem como a experiência inicial nos Estados Unidos, mostraram que a mortalidade é maior do que com a SARA.

“Existem diferenças importantes na evolução clínica do covid-19, e os pacientes tendem a ficar intubados por mais tempo”, disse ao Medscape, a Dra. Angela, professora assistente de medicina na Stanford University, na Califórnia. Além disso, os pacientes com covid-19 não apresentam disfunção precoce de outros órgãos, como os rins. “É primariamente uma insuficiência pulmonar no início, embora problemas cardíacos geralmente apareçam mais tarde. Parece que as pessoas estão morrendo de uma doença pulmonar o que nem sempre ocorre na SARA”, disse a Dra. Angela.

“Aqui na região de São Francisco, vemos pacientes com covid-19 saindo do ventilador e melhorando, mas como a taxa de mortalidade é um indicador lagging, não teremos uma taxa de mortalidade confiável por mais algumas semanas”, ela disse.

A ECMO pode ajudar os pacientes com covid-19?

Em relação aos métodos alternativos de suporte respiratório avançado, alguns sugeriram o uso da ECMO, que oxigena o sangue fora do corpo, semelhante a uma circulação extracorpórea, causando menos estresse aos pulmões. Para o Dr. Luciano Gattinoni, no entanto, a ECMO continua sendo uma intervenção reservada para quando a terapia padrão falha. “Dado o número de pacientes com COVID-19 que precisam de ventilação, não é uma alternativa prática”, disse ele.

Dr. Kenneth concordou que o uso generalizado da ECMO não é realista. “A ECMO mostrou algum benefício na SARA severa, como foi visto no ensaio EOLIA, mas o problema é a sua disponibilidade. Nosso centro dispõe de ECMO, mas nem todos os centros têm essas máquinas, e aqueles que a têm precisam trazer pessoas de outros serviços para operá-las”, ele disse. “[Um] especialista em terapia respiratória pode operar de cinco a oito unidades [de ventiladores], dependendo da complexidade dos pacientes. Se o mesmo profissional estiver operando uma máquina de ECMO, eles se ocuparão de um paciente apenas”.

Para pacientes com covid-19, a ECMO continua sendo uma manobra de resgate, não uma alternativa cotidiana. “É cara e tem possíveis complicações, como sangramento, AVC e infecção”, disse ela. “E os dados vindos da China mostraram uma alta taxa de mortalidade em pacientes com ECMO, então você precisa questionar se realmente está salvando alguém”.

Uma pequena série de casos recente com oito pacientes chineses tratados com ECMO mostrou uma taxa de mortalidade de 50%.

Outra opção pode ser não seguir à risca os protocolos de ventilação existentes. Os pulmões dos pacientes com covid-19 tendem a ser mais elásticos e complacentes do que os dos pacientes com SARA, apesar da oxigenação ruim, explicou a Dra. Angela. “Portanto, podemos deixar os pacientes respirar com um volume corrente um pouco maior em cada respiração, e com menos sedação, mais acordados e mais sincronizados com o ventilador”, disse ela. “Eles poderiam ser extubados e expectorar mais precocemente do que com volumes correntes estritos”.

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