A pneumonia aspirativa é cada vez mais comum em nossa prática clínica. Enquanto ela é uma infecção causada por microrganismos específicos, a pneumonite química é uma resposta inflamatória ao conteúdo gástrico ácido ou aos ácidos biliares.
A pneumonia aspirativa está associada a uma mortalidade mais alta do que outras formas de pneumonia adquirida na comunidade. Procuramos resumir os principais aspectos de uma recém-publicada revisão sobre prevenção, diagnóstico e tratamento da pneumonia aspirativa e da pneumonite química. [1]
Fatores de risco de pneumonia aspirativa
Prevenção, diagnóstico e tratamento da pneumonia aspirativa são facilitados quando os fatores de risco associados são conhecidos. O prognóstico é pior em caso de vários fatores de risco concomitantes, dentre os quais destacam-se:
Deglutição prejudicada: devido a doença esofágica (disfagia, câncer, estenose), doença pulmonar obstrutiva crônica, doenças neurológicas (convulsão, esclerose múltipla, parkinsonismo, acidente vascular cerebral, demência) e extubação da ventilação mecânica (principalmente em fase precoce).
Rebaixamento da consciência: relacionado com doença neurológica (acidente vascular cerebral), parada cardíaca (aspiração do conteúdo gástrico durante a reanimação), medicamentos, anestesia geral e consumo de bebidas alcoólicas.
Risco de o conteúdo gástrico atingir o pulmão: por refluxo e/ou alimentação por sonda (principalmente quando associada a outros fatores de risco, por isso deve ser restrita em pacientes com demência).
Reflexo da tosse prejudicado: por medicamentos, consumo de bebidas alcoólicas, demência, doença neurológica degenerativa e rebaixamento da consciência.
Diagnóstico
A pneumonia aspirativa é difícil de diagnosticar com precisão e de distinguir de outras síndromes de aspiração e pneumonias adquiridas na comunidade e no hospital. O diagnóstico deve ser considerado em contextos clínicos apropriados em pacientes com risco de aspiração e achados clínicos e radiográficos característicos. A doença geralmente é aguda, com o surgimento de sintomas poucas horas ou alguns dias após algum evento.
Os achados radiográficos incluem infiltrados, que geralmente são difusos nos segmentos pulmonares, de acordo com a gravidade (segmento superior do lobo inferior ou posterior do lobo superior, se o paciente estiver em decúbito dorsal durante o evento, ou segmentos basais do lobo inferior, se o paciente estiver em pé durante a evento). No entanto, a radiografia de tórax pode ser normal no início do quadro. Um edema pulmonar causado por pressão negativa consequente a respiração contra uma via aérea fechada após anestesia geral, asfixia ou afogamento, pode ser confundido com pneumonia aspirativa.
A pneumonite química é caracterizada por surgimento súbito de dispneia, hipoxemia, taquicardia e sibilos ou estalidos difusos no exame. A radiografia de tórax geralmente é anormal, com padrão característico da síndrome do desconforto respiratório agudo. Os aspirados com pH baixo costumam ser estéreis, e a infecção bacteriana é incomum inicialmente, embora uma superinfecção possa se desenvolver posteriormente.
A aspiração de um corpo estranho sólido pode causar pneumonia, porém, muitas vezes não é identificada, levando a um grande atraso no diagnóstico. Os achados radiográficos do tórax predominam no pulmão direito, e o material alimentar representa mais de 80% dos episódios.
Prevenção
Há várias recomendações para a prevenção:
Recomendações com evidências
Antibioticoterapia por 24 horas em pacientes em coma após intubação de emergência
Jejum de pelo menos oito horas, sem líquidos claros por pelo menos duas horas antes da cirurgia eletiva com anestesia geral
Recomendações com evidências limitadas
Avaliação da deglutição após acidente vascular cerebral (AVC) e após extubação por ventilação mecânica
Preferência por inibidores da enzima conversora de angiotensina para controle da pressão arterial após AVC
Higiene oral com escovação e remoção de dentes mal mantidos
Alimentação em posição semi deitada para pacientes após AVC
Recomendações ainda sem evidências
Exercícios de deglutição para pacientes com disfagia após AVC
Clorexidina oral para pacientes com risco de aspiração
Os medicamentos que promovem a aspiração e interferem na deglutição devem ser evitados, incluindo sedativos, antipsicóticos e, para alguns pacientes em risco, anti-histamínicos.
Para pacientes com distúrbios da deglutição, principalmente após o AVC, é necessária uma avaliação completa da fala e da deglutição. Devem ser feitos esforços para promover a alimentação oral em vez da enteral, com uma dieta macia e com líquidos espessados em vez de alimentos em purê e líquidos finos. O papel das sondas nasogástricas na prevenção da pneumonia aspirativa é incerto. A alimentação pós-pilórica não é superior à alimentação gástrica, e o monitoramento do volume residual após a alimentação pode não minimizar o risco de aspiração.
Tratamento
A antibioticoterapia deve considerar vários fatores, e quando indicada, a escolha do medicamento deve levar em conta possíveis efeitos colaterais e resistência ao medicamento.
Houve uma mudança nos patógenos predominantes na pneumonia aspirativa. Os anaeróbios têm perdido a relevância patogênica, portanto, a necessidade de cobertura antibiótica para eles tem sido questionada. Por outro lado, bactérias patogênicas, incluindo espécies gram-negativas que não são vistas no hospedeiro normal podem surgir em idosos, em pacientes internados em casas de repouso ou hospitais, bem como naqueles com sonda nasogástrica.
As opções de antibioticoterapia estão listadas na Tabela 1. As doses apresentadas são para pacientes com função renal normal e devem ser ajustadas quando necessário.
Tabela 1. Antibioticoterapia para pneumonia aspirativa
Ampicilina + sulbactam: EV (endovenosa); de 1,5 g a 3,0 g; 6/6 horas
Amoxicilina + clavulanato: EV; 875 mg; 12/12 horas
Piperacilina + tazobactam: VO (via oral); 4,5 g 8/8 horas; ou 3,375 g 6/6 horas
Ceftriaxona: EV; 1 g a 2 g uma vez ao dia
Cefepima: EV; 2 g; 8/8 ou 12/12 horas
Ertapenem: EV; 1 g uma vez ao dia
Imipenem: EV; 500 mg 6/6 horas; ou 1 g 8/8 horas
Meropenem: EV; 1 g; 8/8 horas,
Levofloxacina: EV; 750 mg uma vez ao dia,
Moxifloxacina: EV ou VO; 400 mg uma vez ao dia
Clindamicina: VO; 450 mg; 8/8 ou 6/6 horas; ou EV; 600 mg; 8/8 horas
Gentamicina ou tobramicina: EV; de 5 mg/kg a 7 mg/kg uma vez ao dia
Amicacina: EV ;15 mg/kg uma vez ao dia
Colistina: EV; 9 milhões UI por dia em duas ou três doses divididas
Vancomicina: EV; 15 mg/kg; 12/12 horas
Linezolid: EV ou VO; 600 mg; 12/12 horas
Sugere-se cinco a sete dias de tratamento para pacientes com boa resposta clínica e sem evidências de infecção extrapulmonar, e de tratamento mais longo para aqueles com pneumonia necrosante, abscesso pulmonar ou empiema (que podem ser drenados).
O tratamento inicial da pneumonite química requer manutenção das vias aéreas, tratamento do edema das vias aéreas ou broncoespasmo e minimização dos danos nos tecidos. Em casos leves a moderados, os antibióticos podem ser postergados mesmo se houver evidência radiográfica de infiltrado, monitorando os achados clínicos e radiográficos e reavaliando após 48 horas. Em casos mais graves, no entanto, os antibióticos devem ser iniciados empiricamente, e a decisão de continuar a antibioticoterapia por mais de dois a três dias deve ser orientada pelo curso clínico. Um algoritmo para o tratamento antibiótico é sugerido a seguir.
Figura 1. Algoritmo da antibioticoterapia para pneumonia por aspiração.
![]() |
Por fim, cabe comentar dois tratamentos comumente usados em casos de broncoaspiração:
Terapia de supressão de ácido com neutralização do pH gástrico pode reduzir o risco de pneumonite química
Tratamento adjuvante de rotina com glicocorticoides não é recomendado nem para a pneumonia aspirativa nem para a pneumonite química
Siga o Medscape em português no Facebook, no Twitter e no YouTube
Medscape © 2020 WebMD, LLC
As opiniões expressas aqui são de responsabilidade pessoal do autor e não representam necessariamente a posição da WebMD ou do Medscape.
Citar este artigo: Pneumonia aspirativa e pneumonite química: prevenção, diagnóstico e tratamento - Medscape - 25 de mai de 2020.
Comente