Revista The Lancet publica editorial sobre o Brasil criticando atuação do governo no enfrentamento da pandemia

Equipe Medscape

8 de maio de 2020

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Uma das principais vozes da ciência desde 1823, a revista britânica The Lancet publica esta semana um editorial [1] contundente com duras críticas à conduta do presidente brasileiro Jair Bolsonaro. O tom do artigo é de extrema preocupação com os rumos da pandemia no Brasil e, sobretudo, com os danos que as atitudes do presidente podem produzir.

“Talvez a maior ameaça à resposta à Covid-19 no Brasil seja seu presidente, Jair Bolsonaro”, afirma o artigo.

O diretor da revista, Richard Charles Horton, decidiu publicar o artigo depois de saber da resposta do presidente ao ser questionado por jornalistas sobre o recorde do número de óbitos por Covid-19 na terça-feira, 29 de abril, e sobre o fato de o país ter ultrapassado o número de mortos da China. Na data, o país registrava 474 óbitos confirmados em 24 horas. “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre", respondeu o presidente aos jornalistas, fazendo referência ao próprio nome. Na quinta-feira (7), alcançou 614 óbitos.

A publicação observa que a pandemia chegou à América Latina mais tarde do que a outras regiões. E ainda que o primeiro caso tenha sido registrado no Brasil apenas em 25 de fevereiro, a disseminação da doença foi muito rápida. Em 7 de maio, o país já tinha mais de 135 mil casos e 9888 mortes – dados considerados subestimados.

O editorial alerta para a rápida duplicação do número de casos, a cada cinco dias, e para a velocidade com que a doença se espalha, citando estudo do Imperial College de Londres (Reino Unido) que apontou o Brasil como o país com a maior taxa de transmissão do mundo. Lembrando ainda que a infecção dá sinais de que está se movendo dos grandes centros para as cidades menores, “com provisões inadequadas de leitos e ventiladores para a terapia intensiva”.

Após traçar esse quadro preocupante, o texto questiona se a maior ameaça à resposta à Covid-19 não é o próprio presidente Jair Bolsonaro.

“Ele não apenas continua a semear confusão, desrespeitando abertamente as medidas sensatas de distanciamento e bloqueio físico trazidos pelos governadores estaduais e prefeitos, mas também perdeu dois ministros importantes e influentes nas últimas três semanas”, escreve a publicação, em referência à demissão do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, em 16 de abril, e à saída do ministro da Justiça, Sérgio Moro, em 24 de abril. De acordo com o editorial, “tal desordem no coração da administração é uma distração mortal no meio de uma emergência de saúde pública e também é um sinal de que a liderança do Brasil perdeu sua bússola moral, se alguma vez teve uma”.

A revista pontua que o combate à pandemia no Brasil já é dificultado por situações de vulnerabilidade da população brasileira, a exemplo do que ocorre com as comunidades indígenas.

“A população indígena estava sob séria ameaça mesmo antes do surto de Covid-19, porque o governo ignorou ou até incentivou a mineração e a extração ilegal de madeira na floresta amazônica. Esses madeireiros e mineradores agora correm o risco de levar Covid-19 a populações remotas”, diz o texto. A revista ecoa o alerta mundial para o perigo iminente de genocídio dos povos indígenas feito em 3 de maio por uma coalizão global de artistas, celebridades, cientistas e intelectuais, organizada pelo fotojornalista brasileiro Sebastião Salgado.

Os riscos também são maiores para os mais pobres, cerca 13 milhões de brasileiros que vivem em favelas, aglomerados em espaços muito pequenos e com carência de saneamento básico. “Recomendações de distanciamento físico e higiene são quase impossíveis de seguir nesses ambientes – muitas favelas se organizaram para implementar as medidas da melhor maneira possível. O Brasil tem um grande setor informal de emprego, com muitas fontes de renda que não são mais uma opção.” A revista elogia as comunidades que organizaram para tentar implantar as medidas da melhor forma possível. O vácuo de ações políticas em nível federal agrava todo esse cenário.

“O que a comunidade de saúde e ciência e a sociedade civil estão fazendo em um país conhecido por seu ativismo e oposição franca à injustiça e à desigualdade e à saúde como um direito constitucional?”, indaga o editorial. A resposta é consistente. O mundo sabe que diversas organizações científicas, como a Academia Brasileira de Ciências e a ABRASCO, há muito se opõem a Bolsonaro “por causa dos cortes drásticos no financiamento da ciência e pela destruição da segurança social e serviços públicos em geral”. Muitas organizações lançaram manifestos voltados para o público no contexto da Covid-19, como o Pacto pela Vida e o Brasil, menciona a revista.

“Essas são ações esperançosas. No entanto, a liderança no mais alto nível do governo é crucial para evitar rapidamente o pior resultado dessa pandemia, como é evidente em outros países.”

A publicação encerra o texto uma recomendação: “O Brasil como país deve se unir para dar uma resposta clara ao ‘E daí?’ do Presidente. Bolsonaro precisa mudar drasticamente o rumo ou deve ser o próximo a sair.”

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