Inteligência artificial cada vez mais presente na medicina

Mônica Tarantino

Notificação

26 de junho de 2019

"Vocês realmente sabem o que é inteligência artificial?" Há mais de duas décadas o Dr. Chao Lung Wen repete essa pergunta em suas aulas e apresentações. Ele é o titular da disciplina de telemedicina e telessaúde da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e um dos pioneiros da telemedicina no Brasil.

Suas palestras costumam mudar a percepção da audiência sobre as novas tecnologias digitais. "Estamos vivendo um momento de disrupção. Isso acontece quando uma tecnologia cresce tanto que quebra valores anteriores, como ocorreu com a fotografia. É o que está ocorrendo agora na medicina", cravou o especialista durante uma aula especial na abertura do XII Congresso Paulista de Neurologia, no Guarujá, São Paulo.   

O Dr. Chao também se dedica à educação médica para a incorporação dos recursos digitais. Ele defende que o passo inaugural para promover a introdução da inteligência artificial no meio médico é romper com o preconceito e o medo das inovações.

"O momento exige que se converse mais sobre tecnologia para que os profissionais da saúde conheçam melhor os novos recursos em vez de se sentirem ameaçados por eles. A aceleração da tecnologia digital e das telecomunicações está nos transformando", afirmou o especialista. 

A falta de compreensão sobre o funcionamento da inteligência artificial é uma das dificuldades a serem superadas. "Muitas pessoas guardam a impressão de que a inteligência artificial é um único software, uma única entidade que tudo sabe, que vai controlar tudo e substituir o ser humano. Não, a inteligência artificial não é um ser supremo, e pode errar."

Mas, como a inteligência artificial pode errar, se tem acesso a milhares de dados e evidências em frações de segundo? "A inteligência artificial é um software flexível, que usa bancos de dados (big data) para reproduzir um comportamento que seria semelhante ao do ser humano. Ao contrário do que muita gente pensa, ela ainda não está suficientemente madura. Precisa ser treinada e calibrada pelos especialistas", disse o Dr. Chao.

Ele comparou: "Como um produto farmacológico inovador, a inteligência artificial precisa ser concebida, testada e monitorada constantemente, a exemplo do que é feito na farmacovigilância."

O especialista contou que, em breve, surgirá uma categoria profissional especializada em treinamento, monitoramento e auditoria de inteligência artificial. Uma nova equipe de profissionais que vai garantir que a inteligência artificial esteja funcionando de modo adequado e que possa dar um feedback rápido e correto às demandas dos médicos.

A categoria de inteligência artificial que está sendo discutida na medicina é aquela programada para pensar como um ser humano, de um modo especializado, e por isso é chamada de inteligência artificial especialista.

O professor explicou que o treinamento e o bom desempenho desta categoria de inteligência artificial usada no meio médico está relacionado com a qualidade dos dados. Por isso, é necessário zelar pelo cuidado na coleta e segurança dos bancos de dados. Há também os algoritmos, que são as receitas, em linguagem computacional, que definem os procedimentos necessários para a execução de uma tarefa.

O Dr. Chao explicou: "A inteligência artificial irá mimetizar um raciocínio médico, onde o algoritmo vai misturar as experiências e evidências encontradas em grandes bancos de dados e nos dados inseridos pelo médico. A dedução não será algo do tipo sim ou não, mas algo que pode ser, mas também pode não ser." De certo modo, essa similaridade com o raciocínio humano é mais um aspecto que causa desconforto. "Ficção ou não, humanos sempre imaginam que um dia serão substituídos por máquinas."

O Dr. Chao revela que a inteligência artificial está sendo aprimorada e calibrada para reconhecer padrões, não para produzir certezas. "O que se espera dela são análises que você não consegue fazer sempre, levantar e elencar as outras coisas que você não tinha pensado. Com a diferença de que a inteligência artificial faz isso de forma rápida e a partir da análise de milhares de dados e possibilidades."

Essa é mais uma intervenção para dessacralizar a inteligência artificial e aproximá-la dos profissionais da saúde. "As pessoas esperam muito da máquina e fantasiam muito sobre ela. O que a inteligência artificial acrescenta são mais elementos confiáveis para o seu raciocínio."

Na visão do especialista, a inteligência artificial é uma excelente ferramenta para aumentar a eficiência dos médicos e da medicina, consolidando a chamada inteligência ampliada (inteligência humana + artificial). "O aumento da eficiência é uma das boas formas de humanizar a assistência em saúde", observou.

O professor afirmou que, nesse contexto, a telemedicina seria uma das aplicações com maior potencial de promover a interação dos pacientes com a inteligência artificial. "Uma telemedicina cognitiva, preditiva e de precisão teria papel importante."

Atualmente, entre as mais de 330 faculdades de medicina do país, apenas cinco oferecem cadeiras de telemedicina. "Precisamos aumentar o número de faculdades de medicina e hospitais que ensinam telemedicina, a fim de promover o avanço tecnológico responsável e humano. É preciso ensinar e treinar nas instituições de ensino, para acabar com a desconfiança dos futuros médicos."

Da teoria à prática

Outra pergunta frequente é como a inteligência artificial pode fazer diferença na prática médica e na vida do paciente. Ela já está presente, por exemplo, nos grandes hospitais particulares, e a sua aplicação no Sistema Único de Saúde (SUS) é a meta de um projeto colaborativo entre o Programa de Apoio e Desenvolvimento Institucional do SUS (PROADI-SUS) e o Hospital Israelita Albert Einstein, com apoio do Massachusetts Institute of Technology (MIT).

No dia a dia, uma das áreas em que a inteligência artificial já consolidou avanços notáveis é a radiologia. Em vários hospitais, as imagens são enviadas para centrais que emitem laudos feitos com ajuda da inteligência artificial e são validados por médicos. "Isso aumenta exponencialmente a precisão na leitura da imagem e diminui o risco de erros em locais onde faltam profissionais especializados", disse Dr. Chao.

Ainda no campo da neurologia, a inteligência artificial pode dar suporte a diagnósticos complexos. "A inteligência artificial bem treinada pode criar padrões de interação que detectam um perfil comportamental e, em uma escala, dizer se a pessoa começa a apresentar sinais de demência ou burnout, por exemplo", explicou o Dr. Chao. Diversos centros nos Estados Unidos, China e Japão estão criando esses aplicativos de detecção de alterações e padrões preditivos relacionados com o comportamento neurológico.

Outro recurso é o reconhecimento de padrões de movimento motor. "Tecnicamente, a inteligência artificial pode entender filmes e vídeos gravados, pois, na verdade, são frames. Vamos imaginar que o médico gravou diversas imagens do seu paciente andando. A inteligência artificial vai comparando os frames, as posições, padrão da marcha e pode encontrar algo errado." Da mesma forma, a Alexa, a assistente virtual da Amazon, pode identificar que alguém está doente por estar com voz está mais anasalada ou tossindo.

Com recursos da inteligência artificial, o neurologista poderá captar muitos dados do paciente, registrar seus parâmetros e permitir que os algoritmos os correlacionem. Por exemplo, na hora de decidir por uma determinada terapia, "eu posso pedir à inteligência artificial que cruze as evidências do tratamento em vista em determinadas faixas etárias. Se não foi suficiente, posso querer saber a condição funcional e fisiológica do paciente e cruzar isso com parâmetros laboratoriais de detecção do fígado, do estomago e do rim. Depois, posso pedir à inteligência artificial para cruzar o que seria uma dose compatível para dar um efeito positivo com menor indicador de agressão. Se um humano fosse calcular, talvez precisasse de meses para procurar tudo isso. A inteligência artificial pode fazer isso em minutos."

Segundo o Dr. Chao, utilizações como essa levarão à ampliação da medicina preditiva, personalizada e de precisão.

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