Aplicativos de saúde mental: sucesso ou fracasso?

Batya Swift Yasgur

Notificação

12 de abril de 2019

O uso de aplicativos de saúde mental está em expansão exponencial, mas embora sejam ferramentas promissoras, muitos são ineficazes na redução dos sintomas, não trazem abordagens baseadas em evidências, e potencialmente comprometem a privacidade dos pacientes, sugere nova pesquisa.

Os pesquisadores avaliaram mais de 70 estudos sobre aplicativos de saúde mental usando dois parâmetros principais para analisar informações como: preço, atualizações, informações sobre os desenvolvedores do aplicativo, segurança e fundamento das evidências embasando as intervenções contidas no aplicativo.

Os autores descobriram que os pontos fortes em comum dos aplicativos foram os recursos de rastreamento dos sinais e sintomas, os componentes psicoeducacionais e o maior engajamento do usuário. Os pontos fracos em comum foram a insuficiência dos mecanismos de privacidade e a pequena integração dos tratamentos empíricos, exceto dos aplicativos com fundamentos científicos.

"Existem dezenas de milhares de aplicativos disponíveis cujo propósito é atender à saúde mental, e identificamos mais de 70 revisões diferentes de partes distintas dos aplicativos de saúde mental, com o intuito de extrair os temas gerais que caracterizam as áreas dos problemas abordados", disse ao Medscape o primeiro autor, Dr. Joshua Magee, Ph.D., professor assistente de psicologia e diretor do Cognition, Obsessions, and Unwanted Thinking (SCOUT) Lab na Miami University em Oxford, Ohio.

"De modo geral, verificamos que encontrar aplicativos eficazes, fáceis de usar, baseados em evidências e que protegem as informações pessoais é exigir demais, e pensamos que o resultado pode ser melhor quando isso é feito junto com algum profissional da saúde", disse o pesquisador.

O estudo foi publicado recentemente no periódico Current Treatment Options in Psychiatry.

Privacidade e segurança

O Dr. Joshua explicou que seu grupo "quis documentar o cenário atual do mercado de aplicativos de saúde mental, concentrando-se em três áreas críticas: como os aplicativos aderem às diretrizes de melhores práticas, experiência do usuário e privacidade e a segurança", dizendo que a tarefa foi "assustadora".

Seu grupo "inicialmente quis introduzir os leitores aos dois principais parâmetros confiáveis de avaliação dos aplicativos de saúde mental", disse o autor. O American Psychiatric Association (APA) App Evaluation Model oferece um método de avaliação e um curso on-line correspondente para a avaliação dos aplicativos de saúde mental.

O modelo, criado para os profissionais de saúde, usa várias "dimensões importantes" para analisar cada aplicativo:

  • Preço, última atualização e desenvolvedor

  • Segurança (segurança e privacidade dos dados)

  • Eficácia e operacionalidade (p. ex., evidências embasando o aplicativo)

  • "Interoperabilidade" (como o aplicativo pode permitir o compartilhamento dos dados entre os profissionais de saúde e os pacientes)

O segundo parâmetro é o PsyberGuide , um website sem fins lucrativos que classifica os aplicativos de saúde mental de acordo com credibilidade, transparência, e experiência do usuário.

"Os médicos e os pacientes podem pesquisar o PsyberGuide por área do problema, pelo custo e pelo sistema operacional – por exemplo, iPhone vs. Android – e podem tentar descobrir, de acordo com as avaliações dos especialistas, os aplicativos nos quais podem confiar e com os quais se sentem mais confortáveis para utilizar com os seus pacientes", disse o Dr. Joshua, acrescentando que o banco de dados é constantemente atualizado para lidar com as frequentes mudanças no mercado de aplicativos.

Alguns ajudam, outros prejudicam

Os pesquisadores revisaram os artigos existentes sobre os aplicativos, e chegaram a várias conclusões acerca do papel deles nas doenças mentais.

Os pesquisadores ficaram surpresos com o pequeno número de aplicativos "considerados bons" para os transtornos da ansiedade, com apenas 52 aplicativos funcionais que iam além de informações técnicas em texto ou áudio e ofereciam técnicas psicológicas para diminuir a ansiedade.

Embora alguns desses aplicativos tenham sucesso na redução da ansiedade, seu "suporte empírico não é claro" em termos dos aplicativos específicos para a ansiedade, disseram os autores.

Uma exceção é o transtorno do estresse pós-traumático (TEPT), para o qual os aplicativos com a intervenção de coach para TEPT podem ser mais "promissores".

Alguns dados corroboram o uso de uma versão do Patient Health Questionnaire (PHQ-9) em aplicativo para a avaliação da depressão, e existem vários aplicativos de monitoramento para rastrear os sinais e sintomas depressivos.

Caso contrário, "não há fortes evidências subsidiando os aplicativos disponíveis para o público" para o tratamento de depressão, disse o Dr. Joshua, e apenas cerca de 10% dos aplicativos visando a depressão parecem conter tratamentos baseados em evidências.

Além disso, "uma série de aplicativos, como os destinados aos transtornos alimentares, oferecem orientações não apenas imprecisas e sem embasamento em evidências, como francamente prejudiciais, orientando os usuários a adotar estratégias que podem agravar a doença, em vez de melhorar", observou o Dr. Joshua.

Alguns aplicativos relacionados com o consumo de bebidas alcoólicas na verdade incentivaram este consumo, afirmaram os autores, seja diretamente ou "motivando os usuários a beber para verificarem os próprios níveis de álcool no sangue".

Os aplicativos de prevenção do suicídio foram promissores, contendo alguns elementos de "melhores práticas" e somente poucos "continham elementos potencialmente prejudiciais", informaram os autores.

No entanto, poucos aplicativos tinham conteúdo interativo e poucos foram avaliados cientificamente.

"Os aplicativos de prevenção do suicídio têm um grande potencial, dadas todas as funções que os smartphones desempenham atualmente", observou o Dr. Joshua.

"Além de oferecer conselhos e dicas eficazes para as pessoas que possam estar lutando com fatores de risco de pensamentos suicidas ou de autoagressão, os smartphones podem indicar os recursos perto das pessoas, ou podem ter outros tipos de funções interativas que poderiam lhes dar apoio para ajudar com seus problemas", disse o pesquisador.

O Dr. Joshua reconheceu que "ainda é cedo, e nós não estamos vendo muitos aplicativos que estejam perto disso, mas as revisões falaram sobre aplicativos em desenvolvimento que podem integrar recursos de geolocalização e outras funcionalidades, que são muito instigantes".

Rastreamento e monitoramento

Os principais pontos fortes de vários aplicativos foram a capacidade de facilitar o rastreamento e o monitoramento (p. ex., uso de álcool ou sintomas de humor no transtorno bipolar) servindo de "adjunto para os profissionais de saúde que estão provendo tratamentos baseados em evidências", afirmaram os autores.

As limitações englobam a insuficiência da capacidade tecnológica de compartilhar o que foi aprendido por meio do aplicativo com os profissionais de saúde, as questões relacionadas com a privacidade e as falhas técnicas.

Os aplicativos para smartphone nos casos de esquizofrenia mostraram-se úteis, contudo, em oferecer monitoramento dos sintomas, gerenciamento da própria saúde mental e promoção da prática de atividades físicas; os resultados de uma revisão de cinco estudos independentes sobre esses aplicativos mostraram "baixos índices de abandono, altos níveis de iniciativa de usar os aplicativos e bom número de pacientes considerando o aplicativo útil", escreveram os autores.

"Estes resultados sugerem que, apesar das preocupações sobre a capacidade dos pacientes com esquizofrenia e transtornos psicóticos usarem aplicativos de saúde mental, estes pacientes estão aptos, engajados com os smartphones e podem se beneficiar da implementação cuidadosa desses aplicativos", comentaram os autores.

Os aplicativos para o alívio do estresse são promissores, dado que existe boa adesão às estratégias baseadas em evidências, facilidade de utilização, e cerca de metade dos aplicativos revisados parece ser transparente em termos de confidencialidade, privacidade e outras informações, disseram os autores.

Por outro lado, os aplicativos para o alívio da dor normalmente têm sido criados por programadores ou leigos, com pouca colaboração de profissionais de saúde e poucas referências a diretrizes baseadas em evidências.

Os pesquisadores observaram que das centenas de aplicativos de " atenção plena" (mindfulness), apenas cerca de 4% contêm componentes de treinamento e de orientação.

"Os aplicativos de plena atenção são muito populares, mas a nossa principal preocupação foi a ausência de avaliações – um aplicativo de plena atenção pode ser lançado por um especialista de renome ou pode ser criado pelo seu vizinho, que não tem nenhuma formação nesta área", disse o Dr. Joshua.

"Como muitos nessas categorias, estes aplicativos têm grande potencial, e os aplicativos direcionados ao estresse têm relativamente mais apoio do os voltados para outras áreas, mas encontramos um percentual muito pequeno que efetivamente incorporou técnicas eficazes que um médico poderia treinar com você, e pode ser difícil diferenciar entre um aplicativo de plena atenção baseado em práticas eficazes e um que não o seja", disse o autor.

"Como muitos desses aplicativos não são criados por profissionais de saúde, muitas vezes há pouca atenção voltada para a privacidade, da forma como os profissionais de saúde encaram a questão", disse o Dr. Joshua.

As perguntas englobam o que o aplicativo poderia fazer com dados confidenciais (p. ex., informações sobre uso de drogas ou bebidas alcoólicas ou práticas sexuais).

"Na terapia presencial temos técnicas para gerenciar essas informações e mantê-las sigilosas, mas com os aplicativos não há nenhuma garantia semelhante, por isso a nossa recomendação seria lançar mão de parâmetros como o PsyberGuide para ajudar os pacientes a avaliar o nível de transparência do fabricante em termos de segurança", aconselhou o pesquisador.

O Dr. Joshua exortou os psiquiatras e outros médicos a "avaliar o uso atual dos aplicativos, o que poderá revelar informações sobre quais aplicativos seus pacientes já estão utilizando, visto que pode ser importante saber o que é útil ou não, ou quais são as informações técnicas que os pacientes estão obtendo por essas fontes".

"Ser cauteloso e perspicaz"

Comentando o estudo para o Medscape, o Dr. Stephen Schueller, Ph.D., professor assistente de ciência da psicologia da University of California, em Irvine, e diretor executivo do PsyberGuide, disse que o estudo "é uma revisão minuciosa de alguns dos aplicativos disponíveis no mercado para vários transtornos diferentes, exemplificando bem o grande volume de trabalho que tem sido feito".

Dr. Stephen, que não participou do estudo, assinalou que as conclusões e as limitações foram "relativamente poucas, tendo em vista alguns dos graves desafios que enfrentamos em termos de usar essas ferramentas na vida real para beneficiar as pessoas".

No entanto, o artigo "fez um bom trabalho e destaca todo o entusiasmo relacionado com isso, e o seu enorme potencial – e "potencial" é uma boa palavra, porque tem emoção, mas uma palavra negativa, porque muitas coisas ainda não foram alcançadas", disse o Dr. Stephen, que é membro de uma equipe avaliando um Innovation Technology Suite Project, na Califórnia, explorando o uso de aplicativos para melhorar os serviços de saúde mental do município.

O comentarista observou que, dependendo da definição de "aplicativo de saúde mental", há cerca de 10.000 a 30.000 aplicativos disponíveis atualmente. "Eu incentivo os médicos a ter cautela, porém perspicácia, e se você for recomendar um aplicativo use, experimente primeiro", aconselhou o Dr. Stephen.

O comentarista indicou as duas principais maneiras de incorporar os aplicativos na prática clínica.

"Uma é para rastrear e monitorar ou reforçar o tratamento que já está sendo feito", disse.

"A outra é para cobrir áreas você pode não conseguir alcançar nas sessões — por exemplo, se o paciente tiver depressão e insônia e você estiver se concentrando primariamente na depressão, você pode recomendar um aplicativo para insônia como um adjunto ou complemento útil para o que você estiver trabalhando durante a sessão", disse o Dr. Stephen.

Dr. Joshua recomendou que "os médicos comecem a ter um portfólio de aplicativos com os quais se familiarizem e o atualize de tempos em tempos, em termos da funcionalidade e das limitações de cada aplicativo, para que possam informar seus pacientes, e devem se engajar no monitoramento contínuo com sua utilização conjunta".

Dr. Joshua Magee recebeu subsídios do National Institute for Health em apoio a esta pesquisa. Os demais autores e o Dr. Stephen Schueller informaram não ter conflitos de interesses relevantes.

Curr Treat Options Psychiatry. Publicado on-line em 16 de julho de 2018. Abstract

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