Um estudo brasileiro para a erradicação do HIV e da aids mostrou aumento da resposta das células T CD8+, levando dois pacientes a negativar o DNA do vírus nas células, de acordo com os resultados preliminares apresentados na 22nd International AIDS Conference (AIDS 2018).
A peculiaridade do estudo, denominado "Uso de vacina de células dendríticas em associação com estratégias para eliminação de reservatórios virais almejando a cura esterilizante da infecção pelo HIV-1 em pessoas cronicamente infectadas em uso de tratamento antirretroviral", é a associação cumulativa das estratégias terapêuticas, tendo como objetivo a cura do HIV.
"Estamos muito felizes em saber que no grupo onde foram feitas todas as estratégias houve diminuição das células infectadas e diminuição no processo inflamatório que ocorre nestas pessoas", disse o pesquisador responsável do estudo, Dr. Ricardo Sobhie Diaz, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), por e-mail, ao Medscape.
Os resultados preliminares do estudo, revelados em primeira mão no congresso internacional AIDS 2018, realizado em julho, em Amsterdã (Holanda), serão apresentados no Brasil durante a VI InfectoRio 2018, onde, de acordo com o pesquisador, provavelmente, haverá "mais detalhamento, posto que todos os dias geramos novos resultados a partir das amostras destes pacientes".
O Dr. Diaz fará duas apresentações – uma no curso de HIV/Aids, no pré-congresso, e outra durante o congresso – nas quais mostrará os resultados do estudo para a comunidade médica brasileira.
"A apresentação do VI InfectoRio será mais conceitual e trará os conhecimentos emergentes", disse o pesquisador. O evento será no Centro de Convenções do Hotel Prodigy Santos Dumont, no Rio de Janeiro, de 22 a 24 de agosto.
Apesar de ainda não ter sido oficialmente publicado, o estudo sobre a erradicação do HIV e a cura da aids apresenta resultados promissores e que não haviam sido "descritos desta forma anteriormente em outros estudos", destacou Dr. Diaz.
Estrutura do estudo
Iniciado em julho de 2015, o estudo é randomizado, de designação paralela, aberto, e está sendo feito com 30 voluntários do sexo masculino com infecção comprovada por HIV. Os voluntários têm entre 18 e 60 anos de idade, estão em uso de tratamento antirretroviral há pelo menos dois anos (24 meses) sem interrupção, apresentam contagem de CD4 acima de 500 células/mm3, e carga viral indetectável (abaixo de 50 cópias/mL) neste período – sem nunca terem tido carga viral acima de 50 cópias/mL em duas dosagens consecutivas. Só participaram do estudo pacientes cujo vírus tem tropismo R5 (tropismo pelo correceptor CCR5) definido por genotropismo do DNA proviral na triagem.
Os voluntários foram divididos em seis grupos comparativos com cinco participantes cada: (I) grupo de controle (sem nenhuma intervenção, apenas o tratamento antirretroviral em uso); (II) grupo de intensificação do tratamento, recebendo o tratamento antirretroviral em uso com o acréscimo de maraviroque e dolutegravir durante 48 semanas; (III) grupo de intensificação do tratamento, com o acréscimo nicotinamida; (IV) grupo de intensificação do tratamento por 48 semanas, com o acréscimo de sais de ouro (Auranofin) durante 24 semanas; (V) grupo de intensificação do tratamento, recebendo o tratamento antirretroviral em uso com o acréscimo de dolutegravir durante 48 semana e vacina de células dendríticas; e (VI) grupo com múltiplas estratégias, recebendo o tratamento antirretroviral em uso com o acréscimo de dolutegravir, nicotinamida durante 48 semanas, sais de ouro durante 24 semanas e vacina de células dendríticas.
"A vacina autóloga de células dendríticas é um processo complexo, que envolveu estratégia inédita de uso de peptídeos sintéticos autólogos feitos a partir dos vírus específicos de cada paciente, e do perfil de HLA de cada indivíduo, a fim de suscitar resposta específica para o MHC de classe 1", ressaltou o pesquisador.
As medidas de desfecho do estudo são: (a) avaliação ultrassensível da carga viral; (b) medida do RNA do HIV associado às células; (c) medida do DNA epissômico; (d) titulação dos anticorpos específicos ao HIV; contagem de células CD38 e HLA-DR nas células CD4+ e CD8+; e avaliação da evolução das sequências do envelope viral nas células nucleares do sangue periférico. Todas essas medidas foram feitas ao início do estudo e, a seguir, a cada quatro semanas até completar 48 semanas. Nos pacientes submetidos à vacina de células dendríticas após a semana 48, estas análises se estenderão até dois meses após a terceira dose da vacina.
Existem evidências de que após a aplicação da vacina, "a resposta das células T CD8+ aumentou muito, fazendo que um dos participantes negativasse o DNA do vírus nas células", informou o Dr. Diaz.
"Desta forma, temos dois pacientes do grupo VI com DNA do vírus indetectável, sendo que um já havia ficado indetectável antes da vacina".
Os principais critérios de exclusão foram: doença definidora de aids; doença aguda nas últimas oito semanas antes do início do estudo; gestantes e nutrizes; ter infecção pelo vírus da hepatite B ou C; ter hipersensibilidade conhecida a componentes de sal de ouro, nicotinamida ou análogos; insuficiência renal e qualquer doença que na opinião dos pesquisadores pudesse comprometer a segurança do paciente ou a adesão ao protocolo do estudo.
Sobre a ausência de pacientes do sexo feminino no estudo, Dr. Diaz esclareceu que as mulheres serão incluídas nas próximas fases da pesquisa.
"Vamos contemplar a possibilidade de gravidez e uso do dolutegravir nesta próxima etapa, mas ser mulher não era critério de exclusão".
Em relação às características imunológicas da infecção dos pacientes, Dr. Diaz explicou que "nenhum participante do estudo era controlador de elite ou progressor lento".
"Desenhamos um estudo parecido com controladores de elite, e o estudo foi aprovado em todas as instâncias, mas o Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) bloqueou a partir de um entendimento equivocado em vários níveis. Desta forma o estudo não aconteceu e perguntas sobre controladores de elite, um grupo onde mais facilmente poderíamos teoricamente eliminar os vírus de forma definitiva, não serão respondidas", afirmou o pesquisador.
Próximos passos
Em relação à publicação dos resultados do estudo, Dr. Ricardo disse que "uma porção preliminar, com análise até a semana 20, será submetida logo. O estudo completo ainda necessita de alguns passos, com complementação de estudos laboratoriais e interrupção analítica do tratamento antirretroviral".
O Dr. Ricardo informou que está "trabalhando em outras coisas, e programando trazer os candidatos dos braços do estudo, que não foram contemplados com todas as intervenções, para o braço que teve sucesso". Ele acrescentou que pretende "posteriormente recrutar mais candidatos", além de "tentar obter recursos financeiros para as novas etapas".
De acordo com Dr. Diaz, com relação a uma possível cura, "existe uma etapa que ainda precisa ser cumprida. É chamada atualmente de interrupção analítica dos antirretrovirais. Nestes estudos de cura, o tratamento deve ser interrompido para que se saiba o desfecho.
"De qualquer forma, estamos muito felizes em saber que no grupo onde foram feitas todas as estratégias, houve diminuição das células infectadas e uma diminuição no processo inflamatório que ocorre nestas pessoas", explicou.
Por fim, o pesquisador compartilhou que "gostaria que os médicos que atendem pacientes infectados pelo HIV mantenham o foco no diagnóstico e no tratamento precoces.
"Assim, estas pessoas estarão mais próximas da cura para o dia em que ela chegar".
O estudo foi financiado por Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e ViiV Healthcare. O Dr. Ricardo Sobhie Diaz informou não possuir conflitos de interesse relacionados ao tema, e ser o único autor de toda a concepção do estudo.
Citar este artigo: HIV: a um passo da cura? - Medscape - 13 de agosto de 2018.
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