
Dr. Mauricio Wajngarten
Cada vez mais enfrentamos o desafio de tratar idosos. É essencial conhecer a doença, o doente e o tratamento. Devemos ter em mente que pacientes idosos são mais suscetíveis a efeitos indesejados. Devido à frequente falta de evidências, as condutas devem ser individualizadas com decisões compartilhadas. A indicação de tratamentos exige cautela, as metas deles são menos precisas, porém, sonegá-los apenas devido à idade implica omissão[1,2,3,4].
Os tratamentos farmacológicos compõem a base dos recursos terapêuticos, ao lado das orientações sobre estilo de vida e intervenções invasivas.
Nos Estados Unidos mais de um terço dos atendimentos de urgência entre maiores que 65 anos estão relacionados a efeitos adversos de drogas, e culminam na hospitalização de mais de 40% dos casos, frequência que vem se elevando com o tempo. Desses atendimentos, quase 60% foram relacionados ao uso de anticoagulantes, agentes antidiabéticos e analgésicos opioides. Note-se que quase 2% foram relacionados a medicamentos de uso restrito conforme os critérios de Beers[5].
Mas, o que são esses critérios?
Os critérios de Beers, informalmente conhecidos como Lista de Beers , são referência sobre a segurança da prescrição de medicamentos para idosos, criados em 1991 pelo geriatra Dr. Mark H. Beers.
Em 2011, a American Geriatric Society (AGS) promoveu a primeira atualização dos critérios, com um painel de 13 especialistas e metodologia aprimorada baseada em evidências.
Em 2015, a AGS patrocinou uma atualização com a classificação de cada critério (qualidade e força de evidência, conforme o American College of Physicians)[6]. O painel revisou mais de 6.700 estudos clínicos e pesquisas de uma amostra de mais de 20 mil artigos publicados desde 2012.
Na atualização de 2015 foram identificados mais de 40 medicamentos ou classes de medicamentos potencialmente problemáticos, distribuídos em cinco listas destacadas abaixo, com alguns exemplos:
Potencialmente inapropriados – evitar como primeira opção
Bloqueadores alfa-1 periféricos, agonistas alfa centrais, amiodarona, dronedarona, digoxina, nifedipina de ação rápida
Podem exacerbar a doença por interação farmacológica ou com a própria doença
Em pacientes com demência: anticolinérgicos, benzodiazepinas, antagonistas H2-receptor (ranetidina)
Em pacientes com síncope: inibidores da acetilcolinesterase, bloqueadores alfa-1 periféricos
Em pacientes com insuficiência cardíaca: anti-inflamatórios não hormonais, cilostazol
Usar com cuidado
Ácido acetilsalicílico (AAS) na prevenção primária em maiores de 80 anos
Anticoagulantes orais diretos (DOACs) em maiores de 74 anos e pacientes com depuração de creatinina menor que 30
Prasugrel em maiores de 74 anos
Vasodilatores
Fármacos de ação no sistema nervoso central (SNC), especialmente quanto ao risco de hiponatremia
Interação farmacológica intensa que recomenda evitar associações
IECAs, BRAs e poupadores de K;
Vasodilatores e diuréticos de alça;
Varfarina e amiodarona
Devem ser evitados ou ter redução das doses conforme função renal
DOACs, poupadores de K
O painel de especialistas incluiu opções alternativas farmacológicas e não farmacológicas às situações que restringem o uso de medicamentos considerados potencialmente inapropriados (conteúdo pode ser encontrado em geriatricscareonline.org).
Recentemente, chamou-se a atenção para importantes limitações das recomendações dos critérios de Beers de 2015 relacionados ao emprego dos novos anticoagulantes em idosos com disfunção renal[7].
A atualização de 2018 está em fase final de elaboração e deverá ser apresentada em breve, aguardando-se por processos de revisão por pares e comentários públicos.
Entre as muitas mudanças esperadas, já divulgadas informalmente, incluem-se:
Na lista de medicamentos a serem evitados foram removidos alguns raramente usados, bem como aqueles cujo uso não é específico em idosos, como drogas para convulsões/epilepsia, insônia, vasodilatadores e inibidores da ECA. De modo geral, procurou-se aumentar o enfoque clínico nas situações que recomendam a restrição ao uso de medicamentos.
Na lista de medicamentos a serem usados com cautela foram incluídos os inibidores da DPP-4 em pacientes com insuficiência cardíaca, e algumas das indicações para sulfametoxazol/trimetoprim. Nesse grupo sugere-se que a aspirina seja usada com cautela em pacientes com 70 anos ou mais, em vez de 80 anos ou mais, e que tanto a rivaroxabana quanto a dabigatrana sejam usadas com cautela devido ao risco de sangramento, enquanto a diretriz anterior apenas advertiu contra a dabigatrana.
Em relação às interações medicamentosas, sugere-se agora que as drogas ativas do SNC não sejam combinadas com duas ou mais outras drogas ativas do SNC. O uso concomitante de mais de um medicamento para elevar o potássio deve ser evitado, refletindo o alargamento dos critérios anteriores em relação a esses medicamentos. Também é sugerido que a varfarina não seja combinada com várias outras drogas que podem aumentar o risco de sangramento.
As recomendações sobre o uso da insulina em "sliding scale" (aumento progressivo da dose pré-refeição ou noturna, com base em faixas de glicemia pré-definidas) foram modificadas para melhor esclarecimento.
Há muito salienta-se que o emprego de medicamentos nos idosos deve priorizar condições e restringir o número de agentes; simplificar a posologia; avaliar e estimular a adesão; orientar sobre os problemas da automedicação; considerar as modificações na farmacologia relacionadas à idade que, de modo geral, recomendam redução de doses, avaliar as possíveis interações entre fármacos, pois é comum a "polifarmácia"[1,2]. A Lista de Beers acrescenta muito a essas recomendações genéricas.
Segundo a AGS, ela objetiva melhorar o atendimento de idosos, reduzindo a exposição destes a medicamentos potencialmente inadequados. A Lista de Beers representa uma diretriz para identificar medicamentos para os quais os riscos de uso em idosos superam os benefícios. Ela não deve ser aplicada de maneira punitiva, e não pretende substituir o julgamento clínico, valores e necessidades dos pacientes, bem como as condutas individualizadas e compartilhadas. Ademais, enfatiza a abordagem multiprofissional e não farmacológica. Finalmente a AGS ressalta que a Lista de Beers não se aplica em todas as circunstâncias, como por exemplo, no paciente que recebe cuidados paliativos ou quando não se encontra alternativa ao medicamento potencialmente de risco.
Trata-se, portanto, de ferramenta extremamente útil na prática clínica. Um exemplo que mostra tal utilidade é a pouco conhecida possibilidade do uso da ranitidina prejudicar pacientes com demência.
Por tudo isso, os critérios de Beers devem ser conhecidos e consultados pelos cardiologistas e por todos aqueles que cuidam de idosos.
Citar este artigo: Avanços em cardiogeriatria: é importante conhecer e consultar os critérios de Beers - Medscape - 30 de julho de 2018.
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