Medo do Zika causa queda no número de nascimentos no Brasil

Roxana Tabakman

Notificação

8 de junho de 2018

Uma pesquisa de dados demográficos sugere que pelo menos 119.095 nascimentos não aconteceram no Brasil em 2016 por causa do temor da população acerca das consequências da infecção pelo vírus Zika (ZIKV).

Os autores do estudo, publicado no periódico Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS)[1] ponderam que esse déficit se deu porque muitas mulheres ou casais decidiram adiar a gravidez, e houve também um aumento de interrupções voluntárias da gestação.

A pesquisa liderada pela carioca Marcia Castro, professora-titular no Departamento de Saúde Global e População da Harvard T. H. Chan School of Public Health, em Boston (EUA), trabalhou com dados de todos os estados brasileiros e o Distrito Federal. A equipe calculou o número de nascimentos previsto para o período de setembro de 2015 a dezembro de 2016, e constatou que houve uma queda de 4,5% entre a previsão e o número real de nascimentos, de 3,99 milhões de partos para 3,82 milhões, sem evidências de aumento de mortes fetais. Essa diferença é de 119 mil partos. Até agosto de 2017, haviam sido confirmados 2.750 casos de síndrome congênita de zika.

A queda foi marcada particularmente após abril de 2016. De cada 100 nascimentos previstos para aquele ano, 4,2 não foram observados. Esse valor apresenta diferenças geográficas,  com índices mais altos em Pernambuco e Rio de Janeiro (8,8 e 7,2 respectivamente). Apenas Ceará e Piauí alcançaram o número previsto de nascimentos.

“Faço muito trabalho de campo, e nas conversas sempre surgia que estava tendo maior procura por aborto. Não era evidência científica, apenas conversa. Chamava também muito a atenção de que a maioria das crianças que nasceram com síndrome congênita da zika eram mulatas ou negras, de baixa renda. Do ponto de vista de uma doença transmitida por vetores, isso não faz muito sentido”, explicou em entrevista ao Medscape, por Skype.

“Eram perguntas em aberto, e tive de esperar até os dados estivessem completos.”

Os dados

Os pesquisadores mergulharam nos dados de nascimentos, mortes fetais e hospitalizações devidas a complicações por aborto. Segundo constatou a equipe formada por cientistas das universidades de Harvard, Federal de Minas Gerais, de Pelotas, e da Secretaria de Vigilância sanitária do Ministério da Saúde do Brasil, a taxa de morte fetal continuou no padrão habitual de 11 mortes por 1. 000 nascidos vivos (13 por 1000 nascidos vivos no NE, e 15 por 1.000 nascidos vivos na Bahia).

A decisão da mulher ou do casal de interromper gravidez baseada na percepção de risco ou por confirmação ou suspeita de malformação era uma hipótese que não podia ser quantificada de maneira direta pelo fato do aborto ser proibido por lei no país. Como a prática clandestina é realizada em condições de baixa segurança,[2] o dado de hospitalizações por complicações do aborto é considerado uma boa aproximação. As mulheres mais pobres são as mais expostas a procedimentos inseguros, e calcula-se que metade delas requer hospitalização devido a complicações causadas pelo procedimento[3,4].

As internações hospitalares por aborto no período de setembro 2015 a dezembro 2016 foram menores do que o esperado (257.645 ingressos vs. 274.615 previstos). O número menor de internações hospitalares, aventam os autores, poderia indicar abortos realizados em melhores condições de segurança. Trabalhos publicados por outros autores[5]evidenciam que depois do início da epidemia houve aumento da demanda por drogas abortivas (mifepristone e misoprostol), que raramente requerem de hospitalização.

Neste ponto, porém, houve uma surpresa. “Minha hipótese era de que teríamos uma queda de nascimentos, e eu não achava que a morte fetal tivesse mudado porque já havia dados de uma coorte do Rio de Janeiro, mas não imaginava que as hospitalizações por complicações do aborto seriam mais tardias em tantos estados”, destaca a autora. As curvas mostram deslocamento no tempo das hospitalizações por complicações de aborto, comparado a nascimentos, o que indica que a interrupção da gestação teria se dado em idades gestacionais mais avançadas.

“Não sabemos o que gerou esta hospitalização mais tardia. A hipótese é de que alguns dos abortos foram induzidos quando as mulheres tiveram conhecimento de que estavam gestando embriões com malformações, ou simplesmente desespero causado por sintomas de zika ou similares. Mas isto terá de ser investigado com mais detalhe”, disse Marcia.

Não há como saber ainda quantos dos nascimentos deixaram de se concretizar por interrupções da gestação, e quantos não aconteceram porque as mulheres ou os casais decidiam adiar os planos de gravidez.

“No mundo todo estão tentando obter estimativas de aborto mais precisas”, destaca a professora, “mas é possível que a maior porcentagem de crianças com síndrome congênita da zika nascida de mães não brancas seja um reflexo do número menor de abortos seguros entre mulheres não brancas.”

Contracepção

No Brasil, a contracepção está disponível de maneira geral para a população, independente da região e da etnia[6]. Mesmo que este fenômeno da queda de nascimentos tenha outras explicações, como a diminuição da fertilidade desejada independente da zika, ou a crise econômica, os autores destacam que outras pesquisas, realizadas nas capitais do Nordeste entre maio e junho de 2016 já haviam mostrado que 18% das mulheres usavam contracepção por causa da epidemia de zika[7,8].

A professora Marcia Castro declarou não possuir conflitos de interesses relevantes.

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