Troca dos antidepressivos pode aumentar risco de suicídio entre idosos

Deborah Brauser

Notificação

6 de abril de 2018

Honolulu, Havaí — Os padrões de prescrição dos tratamentos com antidepressivos podem contribuir para o aumento do risco de comportamento suicida em pacientes idosos, sugere um nova pesquisa.

O estudo de coorte populacional, que contou com mais de 185.000 moradores da Suécia com 75 anos de idade ou mais que iniciaram tratamento com antidepressivos com idade avançada, revelou que a troca do antidepressivo mais que dobrou o risco de suicídio e quase dobrou o risco de tentativas de suicídio.

O risco de suicídio e de tentativas de suicídio também aumentou significativamente entre os pacientes tratados com ansiolíticos ou hipnóticos junto com antidepressivo.

"Nós identificamos três padrões de prescrição como estando associadas ao suicídio e à tentativa de suicídio, o que deve, ao menos, ser levado em consideração pelos profissionais de saúde", declarou a Dra. Margda Waern, psiquiatra sênior do Institute of Neuroscience and Physiology na University of Gothenburg (Suécia), ao Medscape.

"Caso esteja considerando alterar a medicação nesta população, faça-o muito lentamente", acrescentou a Dra. Margda.

Curiosamente, o uso combinado de medicamentos para demência foi associado à redução do risco de tentativas de suicídio.

As conclusões, publicadas em fevereiro no European Journal of Clinical Pharmacology, foram apresentadas e discutidas na American Association for Geriatric Psychiatry (AAGP) de 2018.

Poucos estudos sobre os padrões de uso

A Dra. Margda informou aos participantes do encontro que um quinto da população sueca acima dos 75 anos toma antidepressivos.

"Ainda assim, poucos estudos investigam como os diferentes padrões de uso podem repercutir no risco de comportamento suicida em idosos", disse. "O diagnóstico de depressão é muito importante como estratégia de prevenção do suicídio, mas nem sempre os antidepressivos resolvem o problema".

Os pesquisadores analisaram dados de 185.225 pacientes a partir de 75 anos (média de idade de 83,4 anos; 63,5% mulheres) para os quais foram dispensados antidepressivos entre janeiro de 2007 e dezembro de 2013. O acompanhamento durou até o final de 2014.

Inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRS) foram usados por 63,1% dos participantes. Os ISRS mais recorrentes foram: citalopram (48,4%); sertralina (9,9%),e escitalopram(3,3%). Os inibidores da recaptação da serotonina e da norepinefrina e os antidepressivos tricíclicos foram usados por 25,3% e 11,6% dos participates, respectivamente.

Os padrões de prescrição revelaram que 14,8% dos pacientes estavam tomando dois antidepressivos ou mais, e 50,8% os usavam junto com outros medicamentos psiquiátricos. Dentre o último grupo, 32% tomavam hipnóticos, 19,9% ansiolíticos, 7,6% antipsicóticos e 5,8% medicamentos para demência.

Durante o período de acompanhamento ocorreram 654 tentativas de suicídio (incidência de 117 por 100.000 pessoas-ano) e 295 suicídios (incidência de 50 por 100.000 pessoas-ano na população total do estudo).

As incidências de suicídio e de tentativas de suicídio entre as mulheres foram de 25 e 94 por 100.000 pessoas-ano, respectivamente. Entre os homens esses números foram de 106 e 167 por 100.000 pessoas-ano.

Os riscos competitivos ajustados (RCA) para os participantes do estudo que trocaram de antidepressivo, comparados aos que não alteraram o tratamento, foram de 2,42 para os suicídios (intervalo de confiança, IC, de 95% de 1,65 a 3,55; P < 0,001) e 1,76 para as tentativas de suicídio (IC de 95% de 1,32 a 2,34; P < 0,001).

Além disso, os pacientes que também receberam hipnóticos apresentaram risco significativamente maior, tanto de tentar quanto de cometer suicídio, assim como os que receberam ansiolíticos, como mostra a tabela abaixo.

Tabela. Outros fatores de risco de tentativas de suicídio e suicídio

Medicamentos concomitantes Risco competitivo ajustado de suicídio (IC de 95%) Valor de P Risco competitivo ajustado de tentativa de suicídio (IC de 95%) Valor de P
Hipnóticos 2,20 (1,69 a 2,85) < 0,001 2,86 (2,38 a 3,43) < 0,001
Ansiolíticos 1,54 (1,20 a 1,96) < 0,001 2,04 (1,73 a 2,40) < 0,001

Do mesmo modo, o risco de suicídio aumentou significativamente entre os pacientes que também tomavam antipsicóticos (risco competitivo de 1,73; P = 0,004). No entanto, o risco de tentativas de suicídio não aumentou significativamente (risco competitivo de 1,16), tornando a associação geral de uso de antipsicóticos "inconstante", escreveram os pesquisadores.

Para os pacientes que tomaram medicamentos para demência junto com os antidepressivos o risco de tentativa de suicídio foi significativamente menor (risco competitivo de 0,40; IC de 95%, 0,27 a 0,59; P < 0,001).

"É difícil compreender o cenário diante desses resultados", admitiu a Dra. Margda. "É possível que algumas dessas pessoas estivessem institucionalizadas. O que pode ter reduzido o risco, ter pessoas por perto".

Embora mais pesquisas sejam necessárias para chegarmos a conclusões definitivas, os resultados globais do estudo "podem ajudar a informar os profissionais de saúde que iniciam tratamentos antidepressivos em pacientes mais velhos", escreveram os pesquisadores.

"Não podemos afirmar, a partir deste tipo de estudo de registro, qual é o mecanismo responsável pelo que está de fato acontecendo. Mas, certamente, podemos dizer que, se você pensa em trocar, saiba que isto pode ser determinante para o aumento do risco, tanto de tentativa de suicídio, quanto de suicídio. Portanto, tome muito cuidado com os pacientes idosos", declarou a Dra. Margda.

Suicídio na terceira idade: uma "epidemia"

"Neste momento, estamos no meio de uma epidemia" em termos de suicídios na terceira idade, afirmou o moderador da sessão Dr. Gary J. Dr. Kennedy, Montefiore Medical Center, no Albert Einstein College of Medicine, de Nova York (EUA), para o Medscape.

E acrescentou que a informação da observação feita pela Dra. Margda era interessante e clinicamente relevante.

"Talvez ela esteja identificando a gravidade da doença mental. Essas pessoas estão mudando de um medicamento para outro porque não estão satisfeitas ou porque o remédio não está fazendo efeito", disse Dr. Kennedy.

"Do ponto de vista populacional, se formos mais minuciosos no rastreamento do uso dos medicamentos, é possível que possamos reduzir o risco de suicídio", afirmou.

No entanto, o médico observou que os registros suecos que rastreiam o atendimento universal diferem dos registros eletrônicos usados nos Estados Unidos, onde é mais difícil rastrear as informações de um hospital para o outro. "É um verdadeiro problema nos EUA".

Antes, na sessão, o Dr. Kennedy apresentou novos dados, nos quais o discurso de como "seria melhor estar morto" ou de automutilação foi desassociado da ideação suicida explícita.

Fatores de risco

O New York City Neighborhood and Mental Health Study (NYCNAMES II) foi criado para determinar o risco de depressão, bem como características da vizinhança e os padrões de atividade física, em uma coorte comunitária de adultos dos 65 aos 75 anos de idade.

Os participantes que responderam positivamente ao nono item do Patient Health Questionnaire (PHQ-9, N = 222) foram chamados. Dentre os que completaram a avaliação psiquiátrica, 82 não tinham ideação suicida e 60 tinham.

Os resultados da avaliação de risco revelaram que doenças e problemas financeiros eram fatores (P = 0,01 e < 0,05, respectivamente) capazes de diferenciar os pacientes com e sem ideação suicida. Curiosamente, a gravidade da depressão não foi um fator diferenciador.

"Pode ser melhor apenas perguntar sobre a saúde em vez de perguntar sobre o humor para determinar o risco", constatou Dr. Kennedy. "Para a minha surpresa, dor, deficiência, família e luto não foram associados à ideação suicida", acrescentou.

A melhor intervenção para mitigar o risco foi o acompanhamento psicológico (P = 0,0001). O Dr. Kennedy observou que uma das respostas que recebeu para qual era sua razão de viver foi "eu nunca abandonaria o meu cachorro".

"Então, em lugares com tantos apartamentos, como Manhattan, é importante perguntar sobre os animais de estimação. Eu falo para os meus residentes e estudantes de medicina: sempre perguntem o nome do animal de estimação", contou.

"O resultado (global) do NYCNAMES II sugere que o nono item da PHQ-9 seja uma pergunta alternativa sobre a ideação suicida. E abordar outras inquietações dos idosos sobre o suicídio pode exigir mais do que simplesmente se concentrar na depressão", resumiu.

American Association for Geriatric Psychiatry (AAGP) 2018 Annual Meeting. Sessão 323, apresentada em 17 de março de 2018.

O primeiro estudo foi financiado porSwedish Research Council,Swedish Research Council for Health, Working Life, and Welfare; e Sönderstrom-König Foundation. A Dra. Margda declarou não possuirconflitos de interesses relevantes. O Dr. Kennedy recebeu honorários deGuilford Press.

Eur J Clin Pharmacol. 2018;74:201-208. Artigo

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