Uma pesquisa[1] publicada na Revista Brasileira de Psiquiatria em fevereiro deste ano mostrou que a prevalência de transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH) em uma amostra de estudantes de medicina de universidades brasileiras caiu pela metade quando foi usado um teste adicional na hora do diagnóstico. O trabalho, que aplicou a Adult Self-Report Scale (ARS) e o Kiddie Schedule for Affective Disorders and Schizophrenia (K-SADS), também usou um método desenvolvido pelos pesquisadores, que pedia aos participantes exemplos da vida real sobre os sintomas de TDAH relatados no teste K-SADS. Com isso, o número de pacientes diagnosticados caiu de 8,6% para 4,5%.
Realizado em parceria entre o Instituto D'Or de Pesquisa (IDOR), Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e o Hospital for Sick Children (SickKids), de Toronto (Canadá), o estudo avaliou 662 estudantes com o ASRS. Desse número, 226 participantes foram convidados a fazer o teste K-SADS, considerado o padrão-ouro para o diagnóstico do TDAH. Os resultados mostraram que 23 (8,6%) foram diagnosticados com o transtorno. Os estudantes foram então avaliados com um teste mais detalhado, que pedia exemplos da vida real sobre os sintomas que eles responderam ser verdadeiros. Com base no novo teste, o número de diagnosticados com TDAH caiu para 12, ou seja, 4,5% da amostra de 226 pessoas.
De acordo com o Dr. Paulo Mattos, psiquiatra, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e principal autor do estudo, a motivação para a pesquisa foi o registro do aumento do número de casos no Brasil e no mundo. Uma constatação que, segundo ele, levantou a suspeita de que poderia haver erro no diagnóstico, resultando em um número maior do que o real.
"Sou uma pessoa muito ligada em TDAH, então eu deveria fazer mais diagnósticos do que a média dos especialistas, mas o que acontece é o oposto: sou conhecido por fazer menos diagnósticos do que os outros", disse ele em entrevista ao Medscape.
O problema no teste padrão-ouro para o diagnóstico de TDAH (K-SADS), afirma o psiquiatra, "é que os critérios não são bons".
"É o único teste em que se faz nove perguntas sobre uma mesma coisa. Em um teste para depressão, por exemplo, vamos perguntar sobre sono, apetite, libido, concentração, entre outros, mas cada pergunta é sobre um sintoma diferente da doença. No TDAH não: todas são sobre o mesmo tema".
De acordo com o pesquisador, é aí que está problema: "soma-se o número de respostas positivas e, se esse número se enquadrar nos requisitos de diagnóstico, confirma-se o TDAH".
O Dr. Mattos conta que a pesquisa liderada por ele foi desenhada para pedir exemplos simples para cada pergunta do teste.
"O que eu observei é que a pessoa dava como exemplo o conteúdo de outra pergunta, e não daquilo que eu efetivamente estava perguntando", conta.
Ele usa como exemplo a pergunta sobre se a pessoa tinha dificuldade de manter a concentração. "Quando o paciente respondia que sim, eu pedia para explicar melhor. E aí a pessoa dizia que nunca prestava muita atenção quando estava falando com as pessoas. O problema é que essa é a resposta de outra pergunta do questionário. Se eu não tivesse pedido o exemplo, eu daria dois positivos para uma mesma coisa, e, na soma final, o resultado seria que a pessoa tem TDAH".
O psiquiatra esclarece que não está propondo mudanças no questionário K-SADS, mas sim que se busque entender melhor a que exatamente o paciente está se referindo quando afirma ou nega o sintoma, "pois é aí que podem se dar os erros".
O Dr. Mattos não acredita que a pesquisa vá mudar as diretrizes brasileiras para o diagnóstico da doença, mas pondera que é perfeitamente possível que os psiquiatras já usem a estratégia de pedir exemplos durante a aplicação do teste, para evitar falsos-positivos.
"Com a pesquisa, eu mostrei uma coisa muito simples, que todo mundo está fazendo errado, e as estatísticas ficam explodindo por causa disso. Nos Estados Unidos, a estimativa é que até 12% dos universitários tenham TDAH. É um absurdo. Eu encontrei a taxa em torno de 4,5%, e ainda acho que está alta", diz.
Citar este artigo: Exemplos reais em teste para transtorno de déficit de atenção/hiperatividade reduzem pela metade incidência do quadro - Medscape - 27 de março de 2018.
Comente