Meta-análise mostra prevalência de ansiedade, depressão e uso de álcool entre estudantes de medicina brasileiros

Roxana Tabakman

Notificação

20 de março de 2018

Um estudo que analisou 18 mil estudantes de medicina brasileiros mostrou alta prevalência de transtornos de saúde mental nesta população, em especial ansiedade, uso de álcool e depressão.

A pesquisa publicada na Revista Brasileira de Psiquiatria em 2017[1], foi realizada nas bases de dados MEDLINE/PubMed, PsycINFO, SciELO e LILACS, sobre trabalhos que tinham sido publicados até 29 de setembro de 2016, sendo que a maioria foi publicado na última década. Para serem incluídos, os estudos transversais por questionário deviam reportar prevalência de ao menos um transtorno mental diagnosticável, sintomas ou ideação suicida e ter sido realizados com alunos de escolas de medicina do Brasil.

Foram excluídas pesquisas com estudantes que não fossem de medicina, estudos que usaram instrumentos não validados para o português e para a população brasileira, ou aqueles em que os problemas de saúde mental não eram o principal foco da pesquisa. Os autores referem ter incluido finalmente 59 estudos na análise qualitativa e 57 na análise quantitativa. A mostra total foi de 18.015 indivíduos.

João Pedro Gonçalves Pacheco

"Esta pesquisa começou por uma notícia lida no Facebook, sobre uma estudante de medicina que se suicidou", contou por telefone ao Medscape o primeiro autor do trabalho, o estudante da Faculdade de Medicina da Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória (EMESCAM), João Pedro Gonçalves Pacheco. "Quando fui procurar informação, vi que se falava muito sobre o problema, mas não havia nenhuma revisão sistemática. Havia, sim, do exterior, mas estas não incluíam as bases de dados SciELO e LILACS, e, portanto, não captavam as pesquisas brasileiras."

"Nossos dados põem em evidência que o transtorno mais prevalente entre os estudantes de medicina brasileiros é a ansiedade, com uma prevalência 32,9%", diz o pesquisador. [Nota dos Editores: IC de 95%, 22,0 - 44,9]. "Encontramos também uma prevalência alta de uso problemático de álcool: 32,9%, e de depressão: 30,6%." No caso da depressão, a prevalência desta variou significativamente quando se consideraram outros pontos de corte. "Quando a análise considerava a gravidade do transtorno, a depressão leve (mild) teve uma prevalência de 23,3%, depressão moderada ficou com 8,4%, e a grave, com 2,1%." [Nota dos Editores: para uso problemático de álcool, (IC de 95%, 29,3 - 36,6); depressão, (IC de 95%, 24,0 - 37,7); depressão leve, (IC de 95%, 19,3 - 27,6); depressão moderada, (IC de 95%, 5,4 - 12,0); depressão grave, (IC de 95%, 0,8 - 4,0)]

A análise também mostrou que no Brasil há áreas mais estudadas do que outras. No caso de depressão, os autores conseguiram incluir 25 estudos, mas trabalhos mais gerais sobre transtornos mentais comuns foram apenas 13. Outros foram ainda mais limitados, como por exemplo burnout (três estudos), ou baixa qualidade do sono (quatro estudos). Os dados de uso problemático de álcool provêm de apenas três estudos. Eles referem não ter encontrado estudos de prevalência de transtornos psicóticos e de personalidade que pudessem ser incluídos.

"A pesquisa está bem-feita, ajuda a validar o que a clínica já mostra", disse a Dra. Katia Burle dos Santos Guimarães, psiquiatra e psicanalista, conselheira responsável pela Câmara Técnica de Psiquiatria do Conselho Regional de Medicina SP (Cremesp), que não esteve envolvida no trabalho. Ela é autora e organizadora do livro "Saúde Mental do Médico e do Estudante de Medicina" [2] .

Estratificados por região, os dados publicados sugerem que os estudantes do Sudeste são os mais afetados pelos transtornos mentais comuns (38,1%; IC de 95%, 29,5 - 47,15), seguidos pelos do Nordeste (31,5%; IC de 95%, 26,1 - 37,1), sendo que a prevalência mais baixa foi detectada no Sul (21,1%; IC de 95%, 18,9 - 23,6).

Em relação ao ciclo de estudos, o mais problemático em relação aos transtornos mentais comuns parece ser o clínico, com uma prevalência de 42,8% (35,3 - 50,3) e, na sequência, o básico, com 37,4% (31,1 - 43,8) e a residência, com 34,6% (24,5 - 45,2). O gênero feminino foi significativamente associado com depressão, ansiedade e estresse. Já o masculino foi mais associado a burnout.

Estudante especial

O estresse do estudante de medicina do Brasil tem, segundo a Dra. Katia, é multifatorial. "Ele enfrenta o estresse relacionado à formação médica, a necessidade de lidar com a dor e o sofrimento, mas também as projeções que são feitas sobre ele, a sobrecarga de horas de estudo, a redução da vida social, o aumento da demanda, a competição, as dificuldades de sono", enumera ela.

"Não tem a ver com a metodologia de estudo da faculdade, mas com o conteúdo e as expectativas. Ao mesmo tempo, o aluno vê a degradação da figura do médico".

"O conhecimento dos problemas mentais dos estudantes existe há tempo", diz ela, se referindo a trabalhos feitos na década de 60, "mas o problema vem aumentando". A especialista não hesita em afirmar que "a situação psíquica dos estudantes de medicina é preocupante, um fato, aliás, conhecido por todos porque já foi divulgado que há muitos suicídios e muitas tentativas de suicídio."

Depressão e suicídio

O trabalho brasileiro inclui um único estudo reportando a prevalência atual de ideação suicida e desesperança por meio de ferramentas validadas e padronizadas. As taxas encontradas nesse estudo foram 13,4% e 95%, respectivamente. Nos Estados Unidos, uma recente meta-análise com foco na depressão e no suicídio entre estudantes de medicina, liderada pelo Dr. l. Rotenstein, da Harvard University, e publicada no JAMA[3], mostrou que os sintomas depressivos alcançavam 27,2% dos estudantes americanos, e 11,1% relatavam ideação suicida.

"Todas as pesquisas chegam à mesma conclusão da qual falamos há mais de três décadas, ou seja, a necessidade da prevenção", acrescenta a Dra. Katia, que co-criou, em 1995, o Núcleo de Atendimento aos Discentes da Faculdade de Medicina de Marília (Famema), onde permaneceu por 22 anos. Ela apoia a ideia – que já está sendo implementada em algumas universidades do país – de um serviço de atendimento psicológico e psiquiátrico para todos os alunos de medicina.

"Mas é preciso também oferecer, já no primeiro ano, uma palestra que desfaça preconceitos e explique como funciona o serviço, assim como uma entrevista individual. A entrevista não deve ser uma avaliação, mas um primeiro contato para que o aluno conheça e saiba quem o pode ajudá-lo caso necessário."

A experiência na Famema para este primeiro contato é, segundo a psiquiatra, de 90% de comparecimento.

Sem tratamento durante o período de estudo, os problemas mentais dos alunos podem se agravar, no futuro, pela habitual sensação de onipotência dos médicos, diz a Dra. Katia.

"Sem estar familiarizado com a possibilidade de pedir ajuda, o médico provavelmente vai tentar resolver os próprios problemas com automedicação, desconsiderando terapias não medicamentosas. E as consequências podem ser graves. Pelo contrário, se o aluno aproveitar o atendimento que é oferecido na faculdade, pode chegar à formatura assintomático e, se no futuro enfrentar problemas, vai saber lidar e buscar ajuda mais cedo".

No âmbito da Associação Brasileira de Educação Médica (ABEM) foi criado em 2015 o Fórum dos Serviços de Apoio ao Estudante de Medicina (FORSA COBEM). Um relatório de 2017[4] indicou que a estrutura física e os recursos humanos ligados a essa atividade têm sido negligenciados por parte de muitas faculdades.

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