Difteria volta a preocupar no Brasil

Roxana Tabakman

Notificação

22 de dezembro de 2017

Em 2015, cinco países do continente americano notificaram um total de 49 casos de difteria, dos quais o Brasil contribuiu com 12[1]. No ano seguinte, foram 78 casos confirmados, mas nenhum deles fora registrado no país: os afetados foram Haiti (56 casos), República Dominicana (dois casos) e Venezuela (20 casos). Em agosto deste ano, porém, o Brasil teve um caso de difteria confirmado[2], e no relatório seguinte, no mês de novembro, já eram cinco. Três dos pacientes nunca haviam recebido a vacina, mas dois deles tinham recebido o esquema completo. Dos cinco indivíduos afetados, em idades entre 4 e 51 anos, um acabou morrendo[3].

A situação atual é preocupante? Segundo a Dra. Isabella Ballalai, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), esclarece que “o Brasil sempre teve casos esporádicos, mas a doença está controlada”, disse ela ao Medscape.

“Nas áreas fronteiriças com a Venezuela, porém, deveria haver uma busca ativa”, disse. A Dra. Isabella considera que a preocupação com doenças infeciosas deve estar sempre presente, e é preciso cuidar também da cobertura vacinal na população adulta.

No entanto, outros especialistas veem a situação de maneira diferente. “Estamos preocupados”, reconheceu ao Medscape o microbiologista Sergio Bokermann, responsável do diagnóstico laboratorial de difteria do Instituto Adolfo Lutz, em São Paulo.

“Temos muito contato com a Venezuela e muitos profissionais que viajam ao Haiti a trabalho, mas dos casos confirmados este ano, apenas um deles vinha da Venezuela, os outros contraíram a doença no Brasil. Com o agravante de que nós sofremos, como muitos outros países, o problema da queda na cobertura vacinal”, afirmou.

Novo calendário

No Calendário Nacional de Vacinação, a proteção contra a bactéria Corynebacterium diphtheriae se inicia com a vacina pentavalente (dois, quatro e seis meses de idade), continua com a dtp ou tríplice bacteriana (15 meses e quatro anos), e na sequência é oferecida a dupla adulto (três doses ou reforço entre os 11 e 19 anos, e três doses ou reforço a partir dos 20 e 60 anos)[4]. A novidade introduzida neste ano é a inclusão da dTpa na gestante (uma dose a cada gestação entre a 27ª e a 36ª semana) para proteger a prole da coqueluche[5].

No início de dezembro, o governo brasileiro zerou temporariamente, pelo período de um ano e para uma cota de cinco milhões de doses, as alíquotas do Imposto de Importação para a vacina tríplice bacteriana acelular do adulto (DTPa, contra difteria, tétano e coqueluche). O motivo da medida, segundo informou a Agência Brasil[] 6 ] é evitar o desabastecimento.

No entanto, na cobertura vacinal, especialmente dos adultos, há muito espaço para melhora, dizem especialistas. Uma pesquisa realizada este ano em cinco países, com participação de 1000 brasileiros de mais de 18 anos[7], revelou contradições interessantes. Os dados mostraram que 89% dos brasileiros reconheciam as vacinas para adultos como meio eficaz para prevenir doenças graves, mas 64% não tinham a caderneta de vacinação atualizada. Entre estes, 46% afirmaram que nunca foram advertidos por profissionais de saúde de que os adultos precisam tomar vacina.

A difteria clínica não confere imunidade natural, portanto a imunização é imprescindível. Os surtos podem se originar de portadores assintomáticos, e a letalidade varia de 5% a 10% dos casos. Uma das propostas da Organização Mundial de Saúde (OMS) é, no caso de feridas cortantes com indicação de vacina antitetânica, aplicar a dupla adulto (antitetânica e antidiftérica)[8].

Situação em outros países

A atualização epidemiológica da Organização Pan-americana da Saúde (OPAS) de novembro de 2017 (semana epidemiológica 45) informa casos suspeitos ou confirmados em três países além do Brasil:  Haiti, Venezuela e República Dominicana[3]. Colômbia estava na lista, mas após exames laboratoriais, os casos foram descartados.

Dos 51 casos confirmados do Haiti, 26% tinham recebido a vacina. Há várias explicações possíveis, desde a vacina não conseguir 100% de soroconversão, a potenciais problemas com a cadeia de frio.

O surto da Venezuela preocupa pela situação sanitária geral do país, e pelo fato dele ter finalizado o período com 146 casos confirmados distribuídos em 17 entidades federais. Dos casos venezuelanos de difteria confirmados, 15% dos pacientes não haviam recebido a vacina e 78 % não tinham recebido todas as doses (não há dados sobre os 7% restantes).

O país reconhece problemas de cobertura vacinal. De janeiro a setembro 2017 o governo venezuelano declarou uma cobertura da pentavalente de 67,8% (em menores de um ano) e de 41,9% (em crianças de cinco anos). O toxoide tetânico teria sido inoculado em menos da metade (49,2%) das gestantes. No mesmo relatório consta que o país contaria com nove milhões de doses de vacinas para intensificar a vacinação[3].

 
A grande maioria dos pediatras jovens não sabe o que é a difteria, nunca esteve frente a um caso Dra. Ana Ceballos
 

A Argentina, país no qual o último caso registrado foi em 2006, está preocupada com situação no continente. Na semana passada, a Sociedad Argentina de Pediatria (SAP) emitiu um alerta de difteria[9] com o objetivo de aumentar a adesão à vacinação completa.

“A grande maioria dos pediatras jovens não sabe o que é a difteria, nunca esteve frente a um caso” disse ao Medscape a Dra. Ana Ceballos, pediatra infectologista da Comissão de Infectologia da SAP. “Com esta situação, estamos muito preocupados com a população que não tem a vacinação completa.”

Segundo a Dra. Ana Ceballos, os dados de 2017 de Argentina ainda não estão fechados, mas no relatório de 2016 a dose da pentavalente que se indica aos 18 meses de idade não alcançou 85% da população-alvo, e a aderência da dTpa das gestantes foi de apenas o 65%. “A vacinação dos adultos é considerada de forma geral, insuficiente”.

A Sociedad Argentina de Pediatria decidiu, portanto, alertar os profissionais da saúde de que a existência de um único caso deve ser considerada um surto, e requer medidas de controle imediatas, tratamento e isolamento do paciente, vacinação e profilaxia dos contatos, além de notificação urgente e individualizada.

Clínica

A difteria é uma doença toxigênica com caraterísticas próprias. Ela afeta inicialmente tonsilas, faringe, laringe, nariz e mucosas da conjuntiva, da vagina ou da pele. A caraterística mais marcante é a membrana cinza assimétrica nas fauces. Além da difteria faringoamigdalina, a doença pode se apresentar como difteria nasal, com leves escoriações com secreção, geralmente unilateral, e difteria cutânea. A toxina diftérica pode provocar miocardite e neuropatia.

“Acredito que no Brasil pode haver subdiagnóstico por conta dos quadros de difteria atípicos”, destaca Bokermann. A análise do surto no Maranhão, em 2010, colocou em evidência que as caraterísticas clínicas consideradas clássicas, linfoadenopatia cervical e formação de membrana, estavam ausentes em 48% e 7%, respectivamente, dos 27 casos confirmados”[10].

Se a difteria causada pela bactéria Corynebacterium diphtheriae, produtora de toxina diftérica (TD), é motivo de alerta, a situação pode piorar. Há uma outra cepa de Corynebacterium filogeneticamente próxima, a Corynebacterium ulcerans, que desde os anos 80 está em aumento em vários países, e há controvérsias sobre se a vacina atual oferece imunidade.

“Nós, como laboratório de referência, sempre estamos atentos, procuramos as duas cepas, mas é o médico que precisa interpretar o resultado”, informa Bokermann.

A Corynebacterium ulcerans é agente etiológico de diversas doenças animais, e está presente também em humanos. A preocupação dos cientistas, agora, é que o aumento da imunidade contra C.difteriae  provoque aumento de difteria por este patógeno emergente: o C. ulcerans[11] .

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