Estudos mostram evidência para se repensar o uso de solução salina

Ingrid Hein

Notificação

21 de novembro de 2017

TORONTO — Pacientes hospitalizados, críticos ou não, que recebem soluções cristaloides balanceadas têm chances 1% menores de precisar de terapia de reposição renal, apresentar disfunção renal persistente ou morrer no hospital do que pacientes que recebem solução salina, mostram dois novos estudos de referência.

"Isso tem implicações em nível populacional", disse o Dr. Matthew Semler, do Vanderbilt University Medical Center, em Nashville, Tennessee.

"As soluções salinas são administradas a mais de 5 milhões de pacientes em UTIs, então uma diferença de 1% se traduz em milhares de casos novos de terapia de reposição renal, disfunção renal persistente e óbitos", disse ele no CHEST 2017.

A sepse é a causa mais comum de morte no hospital, e "isso pode ter uma implicação particularmente grande para esses pacientes", disse ele ao Medscape. "Mas os efeitos não foram limitados a este grupo de pacientes".

O fato de que a solução salina aumenta os níveis de cloreto mais do que os cristaloides balanceados é provavelmente o fator principal, explicou o Dr. Semler.

"Houve uma hipótese de que os cristaloides balanceados estão mais equilibrados em relação ao sangue humano, e houve teorias sobre por que eles poderiam ser melhores para os seres humanos. Agora encontramos evidências para isso".

No SMART (Isotonic Solutions and Major Adverse Renal Events Trial) foram avaliados 15.802 adultos tratados em cinco unidades de terapia intensiva (UTI) em um único centro acadêmico.

 
Isso tem implicações
populacionais.
 

No ensaio randomizado em cluster com múltiplos cruzamentos, as cinco UTIs trocaram soluções salinas e cristaloides balanceadas em meses pares e ímpares. Ao longo do período de estudo de pouco mais de 16 meses, 7860 pacientes receberam cloreto de sódio a 0,9% e 7942 receberam a solução de Ringer lactato ou Plasma-Lyte A.

O desfecho primário do estudo foi constituído de eventos renais adversos maiores dentro de 30 dias, definidos como morte, nova terapia de reposição renal ou disfunção renal persistente (uma duplicação da creatinina em relação ao início do estudo) nos 30 dias após a administração e antes da alta hospitalar.

Os pacientes que receberam cristaloloides tiveram menor probabilidade de ter o desfecho primário do que aqueles que receberam solução salina (14,3% em relação a 15,4%, odds ratio, OR, ajustada = 0,90; P = 0,04). E houve menos mortes no hospital no grupo de cristaloide do que no grupo de salina (10,3% em relação a 11,1%, OR ajustada = 0,90; P = 0,06).

"Os resultados mostram que pacientes usando cristaloides balanceados tiveram uma redução absoluta de 1,1% em morte, nova terapia de reposição renal ou disfunção renal persistente", relatou o Dr. Semler.

Isso se traduziu em um número necessário para tratar de 94 pessoas, o que significa que mudar de solução salina para cristaloide preveniria que um paciente tivesse morte, nova terapia de reposição renal ou disfunção renal persistente a cada 94 pacientes tratados.

"Entre os pacientes com sepse, a mortalidade hospitalar foi de 25,2% com cristaloides balanceados e 29,4% com solução salina", disse Dr. Semler ao Medscape.

 
Vimos os mesmos resultados em pacientes com quadros moderados até quadros extremamente graves.
 

Um segundo estudo com uma metodologia semelhante à do SMART avaliou 13.347 pacientes que não estavam em estado crítico e que foram atendidos no pronto-socorro no mesmo centro acadêmico.

Assim como no SMART, os pacientes que receberam cristaloides balanceados tiveram probabilidade menor de ter o desfecho primário do que os que receberam soro fisiológico (4,7% em relação a 5,6%, OR ajustada = 0,82; P = 0,01).

"A diferença foi de cerca de 1% em ambos estudos", disse o Dr. Wesley Self, da Vanderbilt University, que foi pesquisador principal no segundo estudo.

"Nós observamos os mesmos resultados em pacientes com quadros leves até pacientes muito graves", explicou, o que é uma das razões pelas quais os resultados têm amplas implicações.

Esses resultados realmente enfatizam a importância de usar métodos científicos rigorosos para estudar as coisas que incorporamos à clínica sem critérios rigorosos, explicou o Dr. Self.

"Isso é algo que realmente nunca havíamos conseguido detectar antes, com toda a agitação da prática clínica".

 
É um impacto fenomenal com uma solução de baixa tecnologia.
 

"Este é um estudo clínico muito bem planejado", disse o Dr. Ben deBoisblanc, da Louisiana State University, em Nova Orleans, após a apresentação. "É isso que precisamos fazer para responder av algumas questões clínicas fundamentais".

"Eu acho que o efeito desse estudo está sendo subestimado. É um número pequeno – 1% – mas é barato", disse ele. "É um impacto fenomenal com uma solução de baixa tecnologia".

Economia financeira em longo prazo

"O estudo contribui para o crescente corpo de informação que temos sobre o uso de cristaloides balanceados na ressuscitação na sala de emergência e em pacientes criticamente doentes", disse o Dr. Charles Weber, da University of Wisconsin–Madison.

Dados anteriores forneceram à comunidade médica sugestões, mas "este é mais definitivo, e provavelmente mudará a conduta", disse ele ao Medscape. "É um daqueles estudos que nos faz balançar a cabeça e dizer: 'Finalmente!'"

"Tradicionalmente, sempre usamos solução salina; é um reflexo, não algo em que você pensa", explicou o Dr. Weber. "As pessoas terão de reavaliar".

Cristaloides balanceados são ligeiramente mais caros, mas, no longo prazo, muito mais dinheiro será economizado com a troca, destacou ele. Por exemplo, em pacientes sépticos, destacados pelos pesquisadores como um grupo particularmente suscetível à solução salina, "pode-se evitar a necessidade de terapia de reposição renal e, em última análise, salvar algumas vidas. Isso definitivamente será custo-efetivo em longo prazo", observou ele.

É interessante com que frequência há uma conduta que tem sido o padrão de prática há décadas, mesmo que nunca tenha sido provada como terapia ideal, destacou ele. "Este é o caso com solução salina normal".

Os doutores Semler, Self, deBoisblanc e Weber não declararam relações financeiras relevantes.

CHEST 2017: American College of Chest Physicians Annual Meeting: Sessão 4062. Apresentado em 31 de outubro de 2017.

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