Vírus Oropouche: a nova dengue?

Roxana Tabakman

Notificação

25 de setembro de 2017

Nas últimas semanas a população brasileira vem vivendo um novo temor relacionado à saúde: o vírus Oropouche (OROV). A apreensão tornou se global depois que o jornal americano The New York Times[1]publicou uma reportagem alertando que o vírus, normalmente confinado à região amazônica, estaria chegando a áreas urbanas do país, como o Planalto Central e Nordeste.

O alerta foi dado pelo infectologista Dr. Luiz Tadeu Moraes Figueiredo, professor da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto, durante palestra na Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, cuja cobertura jornalística[2] foi posteriormente divulgada por um serviço de alerta americano[3]. Não demorou muito para que a publicação da notícia causasse temor em uma população ainda preocupada com a epidemia de zika no país. Há motivos para inquietação? Trata-se de um vírus novo?

Alerta

A doença pode ser grave. Na edição de setembro do International Journal of Infectious Diseases,[4]pesquisadores da Universidade Federal de Goiás e da Fundação de Medicina Tropical do Estado de Amazonas destacam o espectro clínico de doenças atribuídas ao vírus de Oropouche (OROV), que vai de casos subclínicos a doença grave, com relato de casos de meningite asséptica.

Outro motivo de apreensão é o potencial de disseminação geográfica do vírus. "A maioria das epidemias de OROV se deu principalmente na região norte do Brasil, incluindo cidades como Belém. Portanto, existe a preocupação e, até pela falta de estudos, a propagação do vírus em outras regiões não está descartada", disse ao Medscape o Dr. Marcos Moreli, autor do trabalho.

"A replicação do vírus depende do vetor naquela determinada região. No trabalho, fornecemos evidências de que o OROV pode estar se deslocando ou de que a migração poderia estar contribuindo para a detecção do vírus, no caso da incidência de vetores em outras regiões. É importante chamar a atenção a respeito do que encontramos no Centro-Oeste, justamente porque ainda não sabemos se os pacientes foram infectados ali mesmo. Por isso, o artigo reforça a necessidade de vigilância para dois vírus, o Mayaro e o Oropouche."

No sistema de saúde pública do Brasil ainda não há um diagnóstico preciso para os vírus Mayaro e Oropouche, com exceção dos Laboratórios de Referência. Essa dificuldade leva a um diagnóstico tardio e muitas das vezes retrospectivo. O fato de não se conhecerem dados sobre a prevalência e circulação aumenta a incerteza. As pesquisas que apontam o Oropouche como o responsável por epidemias com mais de meio milhão de casos foram feitas quase vinte anos atrás, e não há até agora, dados de circulação viral em humanos. Há, no entanto, dados recolhidos em primatas não humanos, portanto o vírus teria uma relevância epidemiológica potencial importante.

"Oropouche já é um problema de saúde pública na região amazônica e no planalto central brasileiros", diz o infectologista Dr. Figueiredo. "Ele não é reconhecido como problema no Sudeste, Nordeste e Sul, mas o vírus OROV vem ampliando suas áreas de epidemia com evidências de presença viral em Minas Gerais e na Bahia. No país todo existe o vetor (Culicoides paraenses) e o vírus encontra-se próximo, infectando animais ou trazido por seres humanos infectados. Por isso, o risco de chegada do vírus às regiões mais povoadas do sudeste e do nordeste é real".

Municípios amazônicos típicos, caracterizados por um pequeno núcleo urbano rodeado por assentamentos agrícolas e áreas de floresta, favorecem a emergência de diversos arbovírus. Já foram registrados mais de 30 surtos epidêmicos no Brasil e outros países da América Latina (Peru, Panamá e Trinidad, entre outros). Pesquisas genéticas realizadas pela equipe do Dr. Pedro F.C. Vasconcellos, do Instituto Evandro Chagas, de Ananindeua (Pará) concluem que o OROV emergiu no Brasil 223 anos atrás.

Os animais reservatórios incluem animais silvestres como a preguiça (Bradypus trydactylus) e mosquitos tais como Ochlerotatus serras. O vetor urbano é o mosquito Culicoides paraensis (maruins). Existe um outro mosquito, o Culicoides sp, que é susceptível, mas ainda não foi suficientemente investigado.

Diagnóstico

Ao exame clínico, observa-se cefaleia, calafrios, vertigem, mialgias, artralgias, fotofobia, dor retro-ocular e congestão da conjuntiva. Alguns pacientes podem ainda experimentar náuseas, vômitos e diarreias, anorexia e insônia. Esta apresentação, entretanto, não tem um grande valor diagnóstico quando se trata de áreas endêmicas com outras arboviroses, pois elas possuem quadros bastante semelhantes. Devido à natureza não específica dos sinais e sintomas, o diagnóstico clínico é difícil e pode ser confundido com dengue, febre amarela e malária.

O diagnóstico imunoenzimático tem limitações, pois produz reações cruzadas com vírus da mesma família. O diagnóstico laboratorial por isolamento viral depende de infraestrutura e pessoal especializado, disponível em poucos laboratórios brasileiros (Institutos Adolfo Lutz e Instituto Evandro Chagas).

"As universidades vêm apoiando a realização destes testes como é o caso do LabVir da Universidade Federal de Goiás, sob minha coordenação ", destaca o Dr. Moreli.

"É preciso que os médicos pensem nesta virose, e que ela entre no diagnóstico diferencial" confirma ao Medscape o Dr. Moraes Figueiredo. "Os médicos e profissionais da saúde devem estar atentos à circulação do vírus",  concorda o Dr. Moreli.

Arbovirose emergente

Em julho deste ano a pesquisadora do Laboratório Nacional de Doenças Infeciosas Emergentes (NEIDL) da Escola de Medicina de Boston, Natasha L. Tilston-Lunel, escreveu a revisão Oropouche vírus: poised for headlines?.[5] No texto ela questiona se o OROV seguirá o caminho dos vírus da dengue ou da zika.

"É difícil dizer, porém houve casos esporádicos fora da zona epidêmica original. A destruição do habitat, a urbanização e a mudança climática favorecem a transmissão. E, mesmo que o último surto no Brasil tenha sido em 2009, o surto do 2016 no Peru mostrou que o OROV não foi embora", diz ela, fazendo referência aos 57 casos de febre de Oropouche relatados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) na região de Cuzco (Peru), região onde o vírus não havia sido detectado antes.

A pesquisadora destaca mais um problema: nos vírus da Venezuela e do Peru (Madre de Dios e Iquitos ) foram identificados rearranjos de segmentos do RNA viral. Estes rearranjos têm dois segmentos de RNA, os segmentos L (Large) e S (Small) do próprio OROV, mais um terceiro segmento, o M (Medium), de um vírus desconhecido. Como o segmento M é justamente o mais envolvido na adesão e na entrada do vírus na célula, ele poderia potencialmente mudar o tropismo do vírus. E também, potencialmente, expandir o leque de hospedeiros do OROV. Em resumo, para a cientista, "a febre de OROV é uma zoonose viral emergente à qual vale a pena prestar um pouco mais de atenção".

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