O medicamento exenatida, para diabetes tipo 2, tem potenciais efeitos modificadores da doença no Parkinson, sugerem resultados de um estudo randomizado, duplo cego, controlado por placebo.
Os resultados do estudo mostram que o agonista do receptor de peptídeo-1 semelhante ao glucagon (GLP-1) melhorou o escore motor de pacientes com doença de Parkinson nos períodos sem medicação, e que os benefícios persistiram por várias semanas após a interrupção do medicamento.
"Todos os tratamentos atuais para a doença de Parkinson ajudam a gerenciar os sintomas, mas não afetam a natureza progressiva da doença subjacente. Portanto, encontrar um tratamento que possa efetivamente retardar a progressão da doença é uma das mais importantes necessidades não atendidas no tratamento do Parkinson," disse ao Medscape o primeiro autor, Dr. Dilan Athauda, do University College London Institute of Neurology e do The National Hospital for Neurology and Neurosurgery, em Londres (Reino Unido).
O estudo foi publicado on-line em 03 de agosto no The Lancet.
A exenatida tem mostrado efeitos neuroprotetores em vários modelos animais na doença de Parkinson. E em um estudo-piloto de pacientes com doença de Parkinson moderadamente avançada, a exenatida foi associada à melhora da função motora e cognitiva por 12 meses (J Parkinsons Dis. 2014;4:337-344).
O presente estudo avaliou 62 pacientes com doença de Parkinson idiopática que tiveram flutuações motoras por deterioração de fim de dose com terapia dopaminérgica, e estavam em estágio 2,5 ou menos na escala de Hoehn & Yahr, quando em tratamento.
Os participantes foram distribuídos aleatoriamente para receber injeções subcutâneas de exenatida 2 mg (n = 32) ou placebo (n = 30) uma vez por semana durante 48 semanas, além da medicação regular, seguido de um período de desintoxicação de 12 semanas.
O desfecho primário foi o escore da sub-escala de avaliação motora (parte 3) da Escala Unificada de Avaliação da Doença de Parkinson (MDS-UPDRS) 12 semanas após a descontinuação do tratamento com o medicamento do estudo (isto é, ao completar 60 semanas). Este desfecho foi escolhido para detectar potenciais efeitos da exenatida na progressão da doença subjacente, estimados pela gravidade dos sintomas motores após a retirada súbita de medicamentos sintomáticos, explicou o Dr. Athauda.
Às 60 semanas, os escores do período sem medicação na sub-escala de avaliação motora do MDS-UPDRS melhoraram 1,0 ponto (intervalo de confiança, IC, de 95%, -2,6 a 0,7 pontos) no grupo com exenatida, e pioraram em 2,1 pontos (IC de 95%, -0,6 a 4,8 pontos) no grupo placebo, por uma diferença média ajustada de -3,5 pontos (IC de 95%, -6,7 a -0,3 pontos; P = 0,0318).
Novo alvo terapêutico?
"Ao final de 48 semanas, ao avaliar os movimentos dos pacientes no período sem medicação, o grupo placebo piorou gradualmente, como esperado, enquanto os pacientes tratados com exenatida melhoraram ligeiramente. O grupo tratado com exenatida manteve essa vantagem por 12 semanas após o encerramento das injeções do medicamento, e este já não era mais detectável no plasma do paciente", disse o Dr. Athauda.
"A doença de Parkinson progride lentamente e, portanto, essa vantagem no decorrer de um ano foi relativamente pequena, e teve efeito mínimo nas atividades do dia a dia. No entanto, se essa vantagem fosse acumulada ano a ano com tratamento em longo prazo, então teríamos potencialmente alterado o curso da doença – um marco importante no tratamento do Parkinson", acrescentou.
A exenatida foi geralmente bem tolerada, com reações no local da injeção, e sintomas gastrointestinais relatados em frequências semelhantes às relatadas em estudos anteriores de diabetes. Ocorreram seis eventos adversos graves no grupo com exenatida e dois no grupo placebo, mas nenhum foi julgado como sendo relacionado às intervenções do estudo nos dois grupos.
"Os resultados são um passo encorajador na direção certa – embora esta seja a indicação mais forte até o momento, de que a exenatida pode estar afetando a doença subjacente em si, em vez de mascarar os sintomas da doença, devemos permanecer cautelosos e precisamos replicar os resultados deste estudo relativamente pequeno em um grupo muito maior de pacientes em vários centros", disse o Dr. Athauda.
Quanto ao motivo pelo qual a exenatida pode ter um benefício na doença de Parkinson, o Dr. Athauda disse que "evidências crescentes" sugerem que ocorre uma perda da sinalização de insulina, ou "resistência insulínica neuronal", na doença de Parkinson e em outras doenças neurodegenerativas, como a doença de Alzheimer.
A exenatida pode, por meio da ação no receptor de GLP-1, ter um papel importante influenciando a resistência neuronal à sinalização de insulina, e consequências na via AKT (proteína quinase B - PKB) e substratos à jusante. Isso, em conjunto, influenciaria as vias de sobrevivência neuronal, a função mitocondrial e a neuroinflamação.
"Um ou mais desses potenciais mecanismos podem promover a sobrevivência e o funcionamento celular, e preservar as respostas compensatórias", disse o Dr. Athauda.
Várias ressalvas
Em um editorial anexo, os Drs. Werner Poewe e Klaus Seppi, da Medical University Innsbruck (Áustria), observam que os achados de potenciais novos mecanismos no tratamento da doença de Parkinson são "empolgantes", mas existem várias ressalvas.
"Primeiro, os grupos estavam desequilibrados no início: os pacientes do grupo com exenatida eram mais velhos, tinham maiores escores na parte 3 do MDS-UPDRS, e doses totais equivalentes de levodopa mais baixas do que aqueles do grupo de placebo", escrevem.
Além disso, os pacientes do grupo com exenatida apresentaram aumentos um pouco maiores da terapia dopaminérgica concomitante ao longo do estudo, em relação aos seus pares do grupo placebo. Apesar dos pesquisadores terem tentado ajustar essa discrepância, "um fator de confusão causado pelas diferenças na terapia dopaminérgica concomitante durante o estudo não pode ser excluído", acrescentam.
Também não houve diferenças notáveis entre os grupos em nenhuma das medidas de desfechos secundários, incluindo as experiências de vida diária de subpartes do MDS-UPDRS, diários dos pacientes nos períodos com e sem medicação, testes motores cronometrados, escala de sintomas não-motores, escalas de avaliação de demência de Mattis, e escalas de qualidade de vida.
"Se a exenatida atua como um novo agente sintomático ou tem efeitos neuroprotetores sobre a patologia da doença de Parkinson subjacente, ainda não está claro. Mas o estudo do Dr. Athauda e colegas abre um novo caminho terapêutico no tratamento da doença de Parkinson", concluem os Drs. Poewe e Seppi.
O estudo recebeu verba para pesquisa da Michael J Fox Foundation for Parkinson's Research. Dr. Athauda declarou não possuir nenhum conflito de interesses relevante. Uma lista completa dos conflitos de interesses dos autores está disponível no artigo original. Dr. Poewe presta ou prestou serviços no valor de US$250 ou mais como colaborador e conselheiro de programas clínicos relacionados a medicamentos para a doença de Parkinson para AbbVie, AstraZeneca, BIAL, Biogen, Cynapsus, Britannia, Grunenthal, Intec, Ipsen, Lundbeck, Merz, Novartis, Neuroderm, Orion, Prexton, Teva, UCB e Zambon. Dr. Seppi recebeu verba para pesquisa de Austrian Science Fund (FWF), Michael J Fox Foundation e International Parkinson and Movement Disorder Society; e trabalha ou trabalhou como colaborador e conselheiro de Teva, UCB, Lundbeck, AOP Orphan Pharmaceuticals, e AbbVie; e presta ou prestou serviços no valor de US$250 ou mais para AbbVie and Roche.
Lancet. Publicado on-line em 03 de agosto de 2017. Resumo, Editorial
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Citar este artigo: Medicamento para diabetes pode retardar a doença de Parkinson - Medscape - 30 de agosto de 2017.
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