No Brasil, uma onda crescente de complicações neurológicas graves entre adultos é relacionada à propagação do vírus da zika, de acordo com nova pesquisa.
"Nosso estudo é o primeiro estudo prospectivo que avalia a ocorrência de complicações neurológicas em adultos como consequência da infecção pelo vírus Zika, sendo que todos os dados anteriores estavam baseados exclusivamente em séries de casos e relatos de casos", disse o autor, Dr. Osvaldo José Moreira do Nascimento, PhD, do Departamento de Neurologia da Universidade Federal Fluminense, no Rio de Janeiro,ao Medscape.
"Observamos um aumento nas internações de pacientes com complicações inflamatórias, como a síndrome de Guillain-Barré (SGB), mielite e encefalite."
O estudo foi publicado on-line em 14 de agosto, na JAMA Neurology.
Internações na UTI, invalidez, mortalidade
O vírus da zika ganhou notoriedade por causar microcefalia congênita em lactentes de mães infectadas. A síndrome de Guillain-Barré foi a primeira síndrome neurológica grave relacionada à infecção por zika que não foi associada à gravidez. Em regiões da Polinésia Francesa e das Américas foi relatado um aumento de até 40 vezes nos casos de SGB, associado à propagação do Zika, em comparação com os períodos anteriores ao vírus.
O presente estudo prospectivo incluiu 40 pacientes em um centro de referência terciário de doença neurológica no Rio de Janeiro, que permaneceram internados no hospital desde dezembro de 2015 até maio de 2016, com doença parainfecciosa ou neuroinflamatória aguda em estágio inicial.
Dos 40 pacientes, 15 eram mulheres e 25 eram homens. A idade média era
44 anos. Vinte e nove pacientes (73%) tinham síndrome de Guillain-Barré , sete (18%) tinham encefalite, três (8%) tinham mielite transversa e um (3%) tinha polineuropatia desmielinizante inflamatória crônica de diagnóstico recente.
Destes indivíduos, 35 (88%) mostraram evidência sorológica e/ou molecular de infecção recente pelo Zika no soro ou no líquido cefalorraquidiano. Isso incluiu 27 dos 29 com SGB, cinco dos sete com encefalite, dois dos três com mielite transversa, e o paciente com polineuropatia desmielinizante inflamatória crônica.
Nove pacientes precisaram de internação na UTI e cinco necessitaram de ventilação mecânica. Os resultados em três meses mostraram que dois pacientes (6%) que eram positivos para o vírus da zika morreram: um com síndrome de Guillain-Barré e um com encefalite. Além disso, 18 pacientes tiveram dores crônicas. No geral, os sobreviventes tiveram uma pontuação mediana de 2 (faixa: 0 a 5) na escala de Rankin modificada.
Essas descobertas são consistentes com os relatos anteriores de síndromes neurológicas associadas ao vírus da zika em outras populações, observam os autores.
"As taxas de internações em unidade de terapia intensiva, de invalidez em três meses, e de mortalidade, não foram substancialmente diferentes em nossa coorte, em comparação com outras coortes publicadas de síndrome de Guillain-Barré associada ao Zika da Colômbia e da Polinésia Francesa.
"Além disso, nossos resultados foram parecidos com os observados em uma grande coorte de pacientes da Europa com síndrome de Guillain-Barré resultante de outras causas. No entanto, nossa coorte teve taxas menores de ventilação mecânica", segundo eles.
Comparadas com um período sazonal similar antes do primeiro caso documentado de zika, as internações hospitalares por SGB no período do presente estudo, de 2015 a 2016, mostraram aumentos de uma média de 1,0 por mês para 5,6 por mês. As internações por encefalite aumentaram de 0,4 por mês para 1,4 por mês, e as internações por mielite transversa permaneceram constantes em 0,6 por mês.
O Dr. Nascimento observou que o estudo não identificou fatores associados ao desenvolvimento de complicações neurológicas com a infecção pelo vírus da zika.
"Nosso estudo não foi destinado ou criado para comparar pacientes com o vírus que desenvolveram complicações neurológicas versus os que não as desenvolveram", explicou.
"O que podemos afirmar é que as complicações neurológicas foram observadas em uma população com contextos sociais e étnicos variados, com prevalência claramente similar de doenças crônicas, conforme esperado em uma coorte brasileira envolvendo pacientes adultos jovens e idosos", adicionou o Dr. Nascimento.
Digno de nota, no estudo foram usados testes concomitantes do vírus Zika em amostras do soro e do líquido cefalorraquidiano (LCR) dos pacientes, e ele foi o primeiro a testar simultaneamente anticorpos IgM contra o vírus da zika e da dengue no LCR, a fim de eliminar a confusão de reatividade cruzada de flavivírus, que é altamente comum nas américas Central e do Sul.
"Acreditamos que nosso método de igualar as descobertas sorológicas do sangue e de LCR oferece um auxílio substancial para minimizar a reatividade cruzada em países com alta prevalência de outros flavivírus concomitantes", observam os autores.
Apesar de haverem algumas diferenças na manifestação da síndrome de Guillain-Barré em pacientes infectados com o vírus da zika em comparação com a SGB derivada de causas
mais tradicionais, os resultados foram praticamente os mesmos. Todos os pacientes
com SGB receberam o tratamento padrão com imunoglobulina intravenosa, disse
o Dr. Nascimento.
"A única situação em que observamos uma recuperação mais demorada envolveu pacientes com SGB e encefalite associada", explicou.
Atualmente, nenhuma ação preventiva conhecida pode ser tomada para evitar lesões neurológicas. Os investigadores esperam que as descobertas aumentem o conhecimento das complicações, observou o Dr. Nascimento.
"Acreditamos que nosso estudo pode ajudar a instruir os profissionais da saúde para suspeitarem dessas complicações desde cedo e ajudá-los a fazer um diagnóstico preciso."
Contribuição importante
O Dr. Kenneth L. Tyler, coautor de um editorial anexo, disse que o estudo se soma ao crescente conhecimento sobre a síndrome de Guillain-Barré em adultos infectados com o vírus da zika, e também aos relatos de casos isolados de outros efeitos, como a encefalite e a mielite.
"Esse estudo amplia isso mostrando que durante as epidemias, o Zika pode ser responsável não apenas por muitas das causas da síndrome de Guillain-Barré, mas também, sobretudo, por casos de mielite e encefalite, confirmando e aumentando os relatos de casos", disse ele ao Medscape.
Ele acrescentou que muitas informações desconhecidas sobre a relação com doenças neurológicas ressaltam a necessidade de prevenção contra a zika.
"Em alguns estudos de síndrome de Guillain-Barré, o risco é maior em indivíduos mais velhos", disse o Dr. Tyler, do Departamento de Neurologia, Faculdade de Medicina da University of Colorado, Aurora. A coautora do editorial, Dr. Karen Roos, é do Departamento de Neurologia da Faculdade de Medicina da Indiana University, em Indianápolis.
"Atualmente, não temos um bom antiviral para o Zika com eficácia clínica comprovada em humanos. Por isso é importante evitar a infecção por meio do controle do mosquito, em grande escala e em escala individual. Várias vacinas estão passando por testes de eficácia e segurança e humanos, e poderão ser importantes no futuro caso sejam consideradas seguras, com imunogenicidade e eficazes", acrescentou ele.
O estudo foi financiado por uma concessão da Cleveland Clinic Foundation. A coautora Ana Maria Bispo de Fillipis relatou ter recebido doações do Conselho Nacional de Desenvolvimento e Pesquisa e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro. Os outros autores e editorialistas do estudo não divulgaram relações financeiras relevantes.
JAMA Neurol. Publicado on-line em 14 de agosto de 2017. Resumo, Editorial
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Citar este artigo: Vírus da zika relacionado a onda crescente de complicações neurológicas graves em adultos - Medscape - 22 de agosto de 2017.
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