Corações latinos sofrem mais? Novas análises estatísticas mostram as consequências para a saúde cardiovascular de se viver na América Latina.[1]
1. Variações geográficas da doença coronariana
Nas últimas décadas, a mortalidade por doença coronariana diminuiu em quase todos os países da América, mas essa diminuição não foi tão pronunciada nos países latinos como foi no Canadá e nos Estados Unidos. Equador, Chile e Porto Rico estiveram entre os países que conseguiram uma melhoria um pouco mais próxima dos dois países do norte, no entanto, no restante dos países da América, os avanços foram muito menores. No México e na Venezuela não houve redução de mortalidade.
A análise da base de dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) até 2013 mostra que, ao comparar as estatísticas de 2001 a 2003, frente às de 2011 a 2013, a mortalidade por doença coronariana (por cada 100.000 habitantes) reduziu nos Estados Unidos e no Canadá em aproximadamente 35%, na Argentina em 19% (homens) e 15% (mulheres), e no Brasil em 6% (homens) e 12% (mulheres).
É na população mais jovem (entre 35 e 44 anos) que ocorre a maior variabilidade entre os diferentes países. Nos Estados Unidos se observou uma redução de 31% e 27% (homens e mulheres, respectivamente), enquanto no Panamá houve aumento da mortalidade (42% em homens e 52% em mulheres), e em países como o Chile, as taxas se mantiveram praticamente estáveis, como a redução de 1% em homens, e de 7% e mulheres.[1]
A situação, vista em um cenário mais amplo, pode ser inferida dos dados obtidos em estudos multicêntricos. Um exemplo é o estudo NAVIGATOR,[2] cujo objetivo foi avaliar se o uso de valsartan ou nateglinida diminuía a incidência de novos casos de diabetes em indivíduos de alto risco. Para a subanálise foi incluída a informação de 9305 participantes do estudo NAVIGATOR divididos por regiões (Ásia, Europa, América Latina, América do Norte e Austrália) para avaliar: (1) o risco de desenvolver diabetes tipo 2; (2) a mortalidade de origem cardiovascular; (3) o desfecho cardiovascular composto por mortalidade, infarto do miocárdio não fatal e acidente vascular encefálico não fatal; (4) a resposta ao tratamento (valsartan ou nateglinida). Os resultados da nova análise informaram que a incidência e o risco de morte cardiovascular eram muito maiores na América Latina (hazard ratio, HR: 2,68, IC de 95%: 1,82-3,96; p < 0,0001), em comparação com a América do Norte.

Dra. Marilia Harumi Higuchi dos Santos
"A nova análise gerou muitas hipóteses, já que o estudo NAVIGATOR não foi desenvolvido para investigar isso", explicou ao Medscape a primeira autora Dra. Marilia Harumi Higuchi dos Santos, do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, de São Paulo.
"Foi observado que os pacientes sem antecedentes de eventos cardiovasculares apresentaram uma maior mortalidade. Este foi um perfil de risco que chamou a atenção. Os pacientes sem antecedente de doença cardiovascular apresentaram função renal normal, mas níveis elevados de triglicerídeos e de glicemia de jejum. Os níveis elevados de triglicerídeos e da glicemia são um risco metabólico para doenças cardiovasculares, e geralmente se observa uma progressão de pré-diabetes a diabetes".
Em resumo, o estudo não encontrou diferenças quanto ao benefício do tratamento, mas sim nos antecedentes e resultados de exames laboratoriais dos pacientes. Também evidenciou que os indivíduos na América Latina usam com menor frequência as terapias para prevenção de eventos cardiovasculares, como por exemplo a aspirina (32% versus 47% na América do Norte), ou as terapias de controle de lipídios (28% versus a 55% na América do Norte) e os inibidores da enzima conversora de angiotensina, ou IECA (4% versus 9% na América do Norte). "Os pacientes da América latina começaram com menos eventos, mas também estavam menos protegidos", resumiu a Dra. Marilia, supondo que a diferença poderia ser devida a variações na prescrição, aderência e acesso a medicamentos na América Latina.
Da mesma forma que no NAVIGATOR, o estudo PARADIGM-HF não detectou diferenças no benefício do tratamento, mas depois de ajustadas as variáveis tornou-se evidente que o risco de morte cardiovascular foi maior na América Latina do que na América do Norte.[3]
Citar este artigo: Corações latinos: variação dos transtornos cardiovasculares na América Latina - Medscape - 25 de abril de 2017.
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