CHICAGO (Reuters) - Genes extraídos de amostras de sangue armazenadas mostram que a epidemia de aids nos Estados Unidos começou em Nova York no início dos anos 70, o que desmente cabalmente a antiga crença de que o vírus teria sido propagado no início dos anos 80 por um comissário de bordo que foi vilipendiado e designado como o "Paciente Zero" por ter (supostamente) espalhado a epidemia nos EUA.
Há muito os cientistas suspeitam de que o HIV já circulava nos Estados Unidos uma década antes dos primeiros casos de aids terem sido identificados em Los Angeles, em 1981. O novo estudo, publicado no periódico Nature, fornece algumas das primeiras comprovações genéticas.
"O que fizemos foi tentar chegar às origens dos primeiros casos observados de aids ", disse Michael Worobey, biólogo evolucionista da University of Arizona, que liderou o estudo.
Usando uma nova e diligente abordagem, Worobey e colaboradores reuniram toda a sequência genética de vírus HIV provenientes de oito amostras de sangue coletadas em 1978 e 1979 de homens gays e bissexuais que participaram de um estudo sobre hepatite B.
A equipe identificou alterações genéticas nas amostras de vírus obtidas de pacientes do sexo masculino em Nova York e em São Francisco. Os pesquisadores descobriram que o vírus HIV veio do Caribe para a cidade de Nova York por volta de 1970, dando início à epidemia norte-americana.
A equipe usou a mesma abordagem para extrair o código genético completo do HIV do "Paciente Zero", um comissário de bordo identificado como Gaetan Dugas no best-seller de 1987 de Randy Shilts "O Prazer com Risco de Vida" (título original: "And the Band Played On").
Shilts, que escreveu o livro depois da morte de Dugas, identificou-o como tendo desempenhado um papel fundamental na disseminação do vírus; a mídia o apresentou como o vilão. Esse novo estudo, todavia, não encontrou nenhum indício biológico sugerindo que Dugas tenha sido a principal causa da epidemia de HIV na América do Norte.
Dugas foi associado primeiramente à epidemia por um estudo do Centers for Disease Control and Prevention (CDC)norte-americano relacionando a aids à transmissão sexual da doença em um grupo de 40 homossexuais do sexo masculino.
No estudo, Dugas foi identificado como "Paciente O" porque ele era de fora da Califórnia (a letra "O" correspondia ao termo outside), onde acreditava-se que a epidemia havia iniciado. Essa letra "O" foi mais tarde confundida com o algarismo zero ("0") e Dugas acabou sendo conhecido como o "Paciente Zero", ou seja, o primeiro paciente infectado em uma epidemia.
"Esse homem foi simplesmente um dos milhares infectados antes do HIV ser identificado", disse o coautor do novo estudo, Richard McKay, historiador da medicina da University of Cambridge, em uma entrevista pelo telefone.
Worobey disse que a técnica desenvolvida para extrair e restaurar os genes do HIV provenientes de amostras de sangue antigas tomou emprestado a tecnologia usada para identificar DNA antigo.
De posse do código genético, a equipe avaliou as mutações feitas pelo vírus à medida que ele se replicava. Isso permitiu que a equipe construísse uma árvore genealógica do HIV. Worobey acredita que um chimpanzé tenha infectado um ser humano pela primeira vez na África no início do século XX. O vírus que causou a epidemia nos EUA veio da África entre meados e final dos anos 60, introduzindo a epidemia no Haiti e em outros países do Caribe.
Em 1970 ou 1971, esta cepa foi do Haiti para Nova York, tornando a cidade um centro de transmissão, disse Worobey. O vírus se espalhou para um grande número de pessoas "muitos anos antes da aids ser percebida", disse ele.
A equipe acredita que o vírus tenha chegado a São Francisco em 1975. Os cinco primeiros casos de aids foram identificados na Califórnia em 1981, tendo sido atribuídos ao HIV pela primeira vez em 1984.
"Nossa análise mostra que os casos ocorridos na Califórnia que deram o sinal de alerta e culminaram com a descoberta da aids eram apenas ramificações da epidemia que já ocorria na cidade de Nova York", disse Worobey.
FONTE: http://go.nature.com/2eGSbf8
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Citar este artigo: Estudo genético redime "Paciente Zero" da responsabilidade pela epidemia de HIV nos EUA - Medscape - 4 de novembro de 2016.
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