Uma nova pesquisa sobre o vírus Zika no Brasil traz informações adicionais sobre as manifestações neurológicas nos bebês expostos ao vírus.
A análise de 11 casos confirmados de Zika em fetos comprovou que os bebês apresentaram outras alterações neurológicas além da microcefalia.
O estudo publicado em 03 de outubro no periódico JAMA Neurology, destaca a importância de obter um exame de imagem na 18ª semana de gestação em caso de suspeita de infecção pelo zika, disse o autor do estudo Dr. Amilcar Tanuri, médico e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil.
Como o vírus da febre amarela, da dengue e da febre do Nilo Ocidental, o vírus Zika é um flavivírus transmitido por artrópodes, principalmente pela picada de um mosquito do gênero Aedes. O vírus Zika, que pode ser encontrado nas secreções corporais, é transmitido por via placentária, por via sexual ou por hemotransfusão.
Os pacientes infectados podem apresentar febre baixa, artralgia, exantema, cefaleia e/ou mialgia, mas a maioria das infecções é assintomática. Além das anomalias congênitas, a infecção pelo vírus Zika está associada à síndrome de Guillain-Barré .
O presente estudo foi feito com gestantes encaminhadas ao Serviço de Medicina Fetal do Instituto Paraibano de Pesquisa Professor Joaquim Amorim Neto no Brasil, entre outubro de 2015 e fevereiro de 2016.
Os fetos destas gestantes apresentavam anomalias no desenvolvimento do cérebro, reveladas por ultrassonografia. Os pesquisadores fizeram amniocentese em todas as participantes a fim de obter a confirmação laboratorial da infecção pelo Zika por meio do ensaio de reação em cadeia da polimerase (PCR).
Os pesquisadores acompanharam as gestantes até o parto. Após o nascimento, fizeram outros exames de imagem e coletaram amostras de líquido amniótico, sangue do cordão umbilical e placenta.
Os diagnóstico de zika foi confirmado em quase todos os casos, com duas pacientes sem a infecção. Ambas foram incluídas no estudo com base no resultado sorológico indicando forte reação de IgG anti-Zika.
"Isso significa que tínhamos a certeza de que as 11 gestantes estavam infectadas pelo vírus Zika, e concentramos nossa atenção nos os tipos de lesão que apareceram nas imagens", disse o Dr. Tanuri.
Dos 11 bebês, três morreram após o nascimento. Duas mães autorizaram a necropsia, ambas realizadas menos de oito horas após o óbito.
Os bebês que sobreviveram foram acompanhados desde a gestação até os seis meses de idade.
A média do perímetro cefálico ao nascer foi de 31 cm, o que segundo os autores encontra-se abaixo do limite para definir a microcefalia. Porém, os pesquisadores notaram que alguns bebês apresentavam a medida da circunferência cefálica adequada à idade gestacional.
Comprometimento neurológico universal
Os pesquisadores constataram a existência de comprometimento neurológico em todos os casos. Houve um padrão comum de atrofia cerebral e modificações associadas a distúrbios da migração neuronal.
O Dr. Tanuri indicou que o Zika induziu "lesões muito específicas", com a diferença da gravidade do quadro determinada pelo local de replicação do vírus no cérebro.
"Observamos dois padrões diferentes: um no qual todo o cérebro tem um volume menor e o outro padrão com ventriculomegalia e hidrocefalia. Os dois padrões são induzidos pelo mesmo vírus".
Se o vírus se replicar em estruturas importantes, como o tronco cerebral ou o cerebelo, as consequências parecem ser muito piores do que se o vírus se replicar no córtex. O vírus foi encontrado no tronco cerebral de todos os bebês que morreram, disse o Dr. Tanuri.
A avaliação do tronco cerebral por ressonância magnética nuclear fetal pode ajudar a prever a probabilidade de sobrevivência do recém-nascido, acrescentou.
Não está claro quais são os fatores que determinam o local no cérebro onde o vírus irá se replicar, disse o Dr. Tanuri.
Os resultados dos testes para outras causas de microcefalia, como uso de drogas, consumo de álcool, tabagismo e uso de medicamentos, foram negativos. Os exames laboratoriais para outras arboviroses, incluindo o vírus da dengue, também tiveram resultados negativos.
Nova nomenclatura
A maioria das mulheres no estudo exibiu sintomas de infecção pelo vírus Zika no primeiro trimestre, o que poderia ser associado às alterações dos processos de migração neuronal e da formação do tubo neural, escrevem os autores. Apenas uma das mães teve exantema no início da gestação.
Diferentemente do que ocorreu com autores de outras publicações, o Dr. Tanuri e seus colegas não observaram alterações do fluxo sanguíneo umbilical e cerebral, mesmo nos casos mais graves.
O grupo chegou a várias conclusões. Uma delas foi: como a microcefalia não é a única manifestação da infecção fetal pelo Zika, a expressão "síndrome congênita do [vírus] Zika" deve ser preferida à expressão "microcefalia associada à infecção pelo vírus Zika".
"O que parece ser universal é o fato da microcefalia não ser um achado isolado, mas sim consequência de várias lesões cerebrais", escrevem os autores. "Restrição de crescimento e outros comprometimentos, como alterações oftalmológicas, foram observadas nos recém-nascidos. De fato, constatamos a existência de ventriculomegalia acentuada podendo repercutir para a microcefalia observada na maioria dos pacientes".
Dr. Tanuri salientou a importância da ultrassonografia no terceiro trimestre da gestação "para notificar, isolar ou identificar os bebês/fetos [infectados]".
"Se eu estiver acompanhando uma gestante, faço a ultrassonografia na 18ª semana e algumas lesões já aparecem, este é um sinal que irá identificar os bebês já infectados pelo Zika".
O problema no Brasil e em outros países de baixa renda é que a ultrassonografia de rotina não está amplamente disponível, disse o Dr. Tanuri.
A coleta de líquido amniótico durante a gestação é outra ferramenta valiosa para o diagnóstico pré-natal, disse o pesquisador.
Outra onda de casos a caminho?
Como o verão vai chegar em breve no Brasil, o Dr. Tanuri está apreensivo com uma potencial nova onda de casos de zika. De novembro a janeiro as temperaturas podem ficar extremamente elevadas na região e os mosquitos são muito mais prevalentes.
"Espero que as coisas estejam resolvidas, mas precisamos manter a vigilância".
O médico diz que também está preocupado com a epidemia em Porto Rico. "Ouvi dizer que cerca de 2.000 gestantes de lá estão infectadas pelo Zika".
Dr. Tanuri tem esperanças que em breve seja criado um antiviral para bloquear a transmissão do vírus para o feto através da placenta.
"Se o antiviral for eficaz e atóxico, pode ser administrado para as mães nas zonas endêmicas".
No entanto, ele disse ter "algumas dúvidas" sobre o desenvolvimento de uma vacina contra o Zika.
"Você precisa saber muito mais sobre o vírus antes de propor uma vacina; não sabemos nada sobre a resposta imunológica a este vírus".
Vacina a caminho?
No editorial que acompanha o artigo, o Dr. Raymond P. Roos, médico do Departamento de Neurologia da University of Chicago, em Illinois, disse que, embora a existência de pelo menos 18 laboratórios da indústria farmacêutica e de instituições de pesquisa buscando uma vacina seja "tranquilizadora", "existem questões que podem complicar o desenvolvimento de uma vacina eficaz contra o vírus Zika".
Uma dessas questões, disse o Dr. Roos, é a possível dificuldade de obtenção de anticorpos neutralizadores do vírus Zika nas áreas endêmicas do vírus da dengue, por causa da reação cruzada sorológica entre estes dois vírus.
Dr. Roos observou que muitas questões relacionadas com a infecção pelo vírus Zika permanecem sem resposta. Entre elas estão:
"Com que frequência a infecção assintomática ou a infecção durante o segundo e o terceiro trimestres compromete o sistema nervoso central? A síndrome de Guillain-Barré induzida pelo vírus Zika é uma doença de mediação imunológica típica ou existe invasão direta pelo vírus? Quais são as sequelas da infecção intrauterina pelo vírus Zika em longo prazo? Quais são as causas da enorme dimensão, gravidade e complicações inesperadas do recente surto de zika nas Américas em comparação com o que foi visto com este vírus no passado"?
Outra questão importante é o que os neurologistas podem fazer em relação ao Zika, disse o Dr. Roos. Seria "proveitoso" ter neurologistas e neuropediatras na rede dos Centers for Disease Control and Prevention (CDC) para estabelecer um sistema de vigilância que possa rastrear os casos de síndrome de Guillain-Barré e de comprometimento do sistema nervoso central induzidos pelo vírus Zika.
"Isso facilitaria a identificação e a caracterização da doença, a formação de um registro e a realização de estudos epidemiológicos abrangentes".
De acordo com o histórico mencionado no editorial, o vírus Zika foi isolado pela primeira vez na floresta Zika em Uganda em 1947 proveniente de macacos Rhesus sendo investigados para o vírus da febre amarela. O primeiro grande surto foi reconhecido nas ilhas Yap na Micronésia em 2007, seguido por um surto na Polinésia Francesa.
(Todos os genomas sequenciados do Zika provenientes dos 11 casos atuais pertenciam à estirpe asiática do vírus. Estas foram todas relacionadas com o vírus identificado na epidemia na Polinésia Francesa.)
A recente epidemia no Brasil teve início em abril de 2015. Desde então, foram notificados nas Américas milhares de casos de microcefalia e alterações do desenvolvimento do sistema nervoso central associados ao vírus Zika. Atualmente já há registro de casos em 23 países e territórios da região.
No início deste ano, a Organização Mundial da Saúde classificou a epidemia de zika como emergência de saúde pública de interesse internacional.
O Medscape procurou a Dra. Kate Russell, médica do serviço de inteligência em epidemias do Centers for Disease Control and Prevention para saber a sua opinião sobre essas novas descobertas.
"Esta casuística contribui para a literatura cada vez mais vasta sobre a microcefalia ser uma das várias consequências neurológicas da infecção congênita pelo vírus Zika", disse a Dra. Kate.
"Sabemos que a infecção pelo vírus Zika na gravidez causa microcefalia e outras anomalias cerebrais graves; no entanto, é necessário obter maiores informações para compreender o espectro clínico completo dos efeitos da infecção pelo vírus Zika durante a gestação".
Como é difícil prever no momento do nascimento os problemas que as crianças terão decorrentes de sua exposição ao vírus durante a gestação, "é necessário fazer um acompanhamento rigoroso das crianças com e sem microcefalia cujas mães tenham infecção comprovada pelo Zika" para entender melhor o impacto da infecção, acrescentou a Dra. Kate.
Os autores e o editorialista informaram não possuir conflitos de interesse relevantes ao tema.
JAMA Neurol. Publicado on-line em 3 de outubro de 2016. Resumo, Editorial
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Citar este artigo: Efeito zika: mais do que apenas microcefalia - Medscape - 21 de outubro de 2016.
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