
Ataques de escorpiões já matam mais do que picadas de cobra no Brasil
Ataque letal
No Brasil, as picadas de escorpiões já produzem mais óbitos do que as de cobras. Dados preliminares mostram que até agosto deste ano foram notificados 74.224 acidentes e 99 óbitos, um aumento da letalidade em relação ao ano 2017 que registrou 100 mortes para 124.871 casos.
Os acidentes com escorpiões são mais frequentes no verão, e os grupos mais expostos são: crianças, donas de casa e pessoas que trabalham em construção civil, madeireiras, transportadoras e distribuidoras de produtos hortifrutigranjeiros. A espécie de escorpião responsável pelos acidentes mais graves no país é o Tityus serrulatus (foto) ou o escorpião amarelo, que mede até 7 cm de comprimento, tem hábito urbano e migra para se alimentar onde há abundância de baratas.
O Nordeste é a região com a maior incidência de casos (97,9 por 100.000 habitantes), seguida do Sudeste (62,7) e do Centro-Oeste (39,4). Quase 99% dos casos são leves, mas 20% dos casos de acidentes com crianças com menos de sete anos são considerados moderados ou graves e podem levar ao óbito – normalmente associado a escassez de assistência, pela falta de diagnóstico oportuno e de qualidade, e à demora em considerar essa possibilidade diagnóstica. Acidente com escorpiões é uma ocorrência de notificação compulsória.
Ataques de escorpiões já matam mais do que picadas de cobra no Brasil
Problema crescente
A maioria dos acidentes com escorpiões ocorre no domicílio. Estes animais não atacam intencionalmente; o acidente ocorre no momento em que a pessoa encosta no aracnídeo ao afastar móveis, mexe em roupas amontoadas, calça sapatos, etc. Muitos acontecem à noite, quando a pessoa está dormindo. Por isso, é recomendado manter os berços e as camas afastados no mínimo 10 cm das paredes e impedir que os mosquiteiros e as roupas de cama não encostem no chão.
Antes restrita a Minas Gerais, a distribuição geográfica do Tityus serrulatus tem se ampliado nas últimas décadas e hoje estes artrópodes já são encontrados em São Paulo, Rio de Janeiro, Espirito Santo, Bahia, Goiás, Distrito Federal, Rondônia, Paraná, Pernambuco, Sergipe, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Norte, Piauí e Santa Catarina.
Logo após a picada a absorção do veneno começa rapidamente, alcançado a concentração máxima em 60 minutos. Entre seis e oito horas após a inoculação, o veneno não é detectável no soro. A maioria dos sinais e sintomas do envenenamento deve-se aos efeitos nos canais de sódio, com subsequente despolarização da membrana, liberação alternada de catecolaminas e acetilcolina pelas terminações nervosas pós-ganglionares dos sistemas simpático e parassimpático e da medula suprarrenal.
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Desconfie sempre
Muitas vezes o paciente não vê o escorpião e pode até não sentir a picada, mas a ocorrência de sinais e sintomas após intervalos de minutos até três horas deve levar o médico a desconfiar desse tipo de acidente. Entre os sinais e sintomas que podem levantar suspeita estão:
- Gerais: hipotermia ou hipertermia com sudorese profusa;
- Digestivos: náuseas, vômitos, sialorreia e, mais raramente, dor abdominal e diarreia;
- Cardiovasculares: arritmia cardíaca, hipotensão ou hipertensão arterial, insuficiência cardíaca congestiva e choque;
- Respiratórios: dispneia, taquipneia e edema agudo de pulmão;
Neurológicos: agitação, sonolência, confusão mental, hipertonia e tremores.
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Condutas a evitar
O ponto de inoculação do veneno é difícil de localizar – na foto acima a picada do escorpião foi no dedo indicador. O que normalmente se vê é um discreto eritema com edema e piloereção, diaforese e tremor local ou do membro atingido pelo veneno. Diante do quadro, recomenda-se:
- Não amarrar nem fazer torniquete;
- Não usar compressas frias;
- Não aplicar nenhum tipo de substância, nem mesmo álcool;
- Não fazer curativos que fechem o local;
- Não cortar, perfurar ou queimar o local da picada;
- Não dar bebidas alcoólicas ao acidentado;
- O profissional não deve fazer hiperidratação para esse paciente, pois nos casos graves isso pode precipitar o edema agudo de pulmão.
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Como agir
A abordagem inicial diante do quadro de picada de escorpião é controlar a dor que aparece logo após a picada e leva o paciente a procurar auxílio médico. Essa dor pode ser discreta, restrita apenas ao ponto de inoculação do veneno, ou insuportável, em queimação ou agulhada, acompanhada ou não de parestesia. A sensação dolorosa pode irradiar para todo o membro atingido, piorando à palpação e persistindo por várias horas ou mesmo alguns dias. Nos casos mais graves, a dor é mascarada pelas manifestações sistêmicas, aparecendo após a melhora do estado geral do paciente. O que fazer:
- Compressas locais com água morna;
- Prescrever analgésicos por via oral ou parenteral;
- Administrar lidocaína (2%) ou bupivacaína (0,5%) por via injetável ou como bloqueio até três vezes ao dia com intervalos de 30 a 60 minutos.
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Quadro clínico
O quadro clínico leve no acidente com escorpiões apresenta sintomas locais, ocasionalmente com dor, vômitos, taquicardia e agitação discreta, decorrente da ansiedade e da dor. Já o quadro moderado, alémdos sintomas locais, traz manifestações sistêmicas não muito intensas como sudorese, náuseas, vômitos, hipertensão arterial, taquicardia, taquipneia e agitação. Nos quadros graves as manifestações sistêmicas são evidentes e intensas, e se caracterizam por: vômitos profusos e frequentes (a intensidade e a frequência dos vômitos é sinal premonitório sensível da gravidade do envenenamento), sudorese generalizada e abundante, sensação de frio e pele arrepiada, palidez, agitação acentuada alternada com sonolência, hipotermia, taquicardia ou bradicardia, hipertensão arterial, taquipneia e hiperpneia, tremores e espasmos musculares.
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Achados nos exames complementares
Nos casos moderados e graves podem ser detectados à chegada ao pronto-socorro: hiperglicemia, hiperamilasemia, leucocitose, hipopotassemia e aumento das enzimas cardíacas nas dosagens seriadas. As alterações mais encontradas no eletrocardiograma são bradicardia e taquicardia sinusal, extrassístoles ventriculares, inversão da onda T, supra e infra desnivelamento do segmento ST, presença de ondas Q, além de bloqueios da condução atrioventricular. A radiografia de tórax pode mostrar aumento da área cardíaca e edema agudo de pulmão (principalmente nos casos de reposição prévia de volume). Nos casos graves, o ecocardiograma pode detectar hipocinesia do septo e das paredes ventriculares, regurgitação mitral e diminuição da fração de ejeção. Todas essas alterações costumam regredir na primeira semana depois do acidente.
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Complicações e tratamento
As complicações mais temidas da picada de escorpião são as arritmias cardíacas, o choque e o edema agudo de pulmão que, mesmo atendidos e medicados a tempo podem levar o paciente ao óbito, principalmente as crianças. A demora no encaminhamento, idade abaixo de sete anos e o maior tempo entre o acidente e a aplicação do soro específico estão associados a pior prognóstico.
O tratamento é sintomático, de suporte às funções vitais, e específico – com soro antiescorpiônico ou, na ausência dele, soro antiaracnídeo. O tratamento específico com soro antiveneno (SAV) está indicado em todos os casos graves e em menores de sete anos com quadro moderado, se as manifestações sistêmicas persistirem após o tratamento sintomático. Devido à possibilidade de diminuição da fração de ejeção cardíaca, a infusão de volume, quando indicada, deverá ser realizada sob monitoramento rigoroso, devido ao risco de evolução para choque cardiogênico. Todas as vítimas, mesmo com quadro leve, devem ficar em observação hospitalar durante quatro a seis horas após o incidente, principalmente as crianças. Nos casos moderados recomendam-se 24 horas de observação e, nos mais graves, observação contínua.
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Soro antiveneno
O soro antiveneno (SAV) deve ser administrado o mais rápido possível. O antiveneno atua unicamente sobre o veneno circulante. Portanto, o paciente deve ser monitorado continuamente durante 24 horas, recebendo tratamento de suporte de acordo com a clínica apresentada.
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Hábitos e controle
Os escorpiões têm hábito de se abrigar em rachaduras nas paredes, embaixo de caixas e em fendas no solo, permanecendo durante meses sem se movimentar. Um escorpião pode gerar 160 filhotes ao longo da vida (na imagem acima se vê o aracnídeo levando os filhotes nas costas), e a espécie T. serrulatus não precisa do macho para se reproduzir, o que facilita sua propagação.
Até o momento, não há comprovação científica da eficácia de nenhum produto químico no controle destes artrópodes. No entanto, a aplicação de produtos químicos de higienização doméstica pode suscitar o deslocamento dos escorpiões para outros locais, aumentando o risco de acidentes. Recomenda-se manter limpos os locais próximos às residências, pois os escorpiões vão atrás das baratas. Onde houver possibilidade, a criação de galinhas (predadoras naturais dos escorpiões) pode ajudar no controle.
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Acesso rápido
Todo profissional de saúde que atua em pronto-socorro precisa estar apto a reconhecer a gravidade do problema e entrar em contato com algum dos 37 Centros de Assistência Toxicológica do país, garantindo que o paciente chegue rápido a um local que tenha o antiveneno. O Hospital Vital Brazil, do Instituto Butantan, em São Paulo, é especializado no tratamento de acidentes por animais peçonhentos e dá assistência médica gratuita e orientação telefônica 24 horas por dia pelos números (11) 3723-6969, (11) 2627-9529 e (11) 2627-9530.
Colaboraram como fonte para a elaboração deste slideshow:
Prof. Dra. Palmira Cupo, docente do Departamento de Puericultura e Pediatria (FMRP-USP) e coordenadora do Centro de Informação Toxicológica de Ribeirão Preto (HC-FMRP-USP)
Dra. Fan Hui Wen, diretora de projetos do Instituto Butantan
Dr. Carlos Roberto Medeiros, diretor do Hospital Vital Brazil do Instituto Butantan
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